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Remédio inadequado

A PEC que restringe as decisões monocráticas do Supremo e de outros tribunais é oportunista e inconstitucional

O ministro Alexandre de Moraes, do STF. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
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Uma Proposta de Emenda Constitucional, aprovada recentemente no Senado e remetida à apreciação pela Câmara dos Deputados, veda o proferimento de decisões monocráticas nos tribunais, sobretudo no Supremo Tribunal Federal. Mais especificamente, os senadores aprovaram um texto que, ao incluir certos parágrafos ao artigo 97º da Constituição, proíbe decisões monocráticas que suspendam a eficácia de lei e de atos dos presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Congresso Nacional.

A vedação é excepcionada somente no período de recesso do Judiciário, hipótese em que, no caso de grave urgência ou de perigo de dano irreparável, admite-se a decisão individual. Neste caso, o colegiado do tribunal deve apreciá-la no prazo de 30 dias corridos após a retomada dos trabalhos judiciários, sob pena de perda de eficácia.

O diagnóstico quanto ao abuso no uso de decisões monocráticas é adequado, apontado, inclusive, por estudos científicos que promovemos nos últimos anos. O forte protagonismo do relator é uma disfunção presente no sistema de Justiça brasileiro. Não é, porém, por meio da inconstitucional proposta de emenda em exame que o problema deve ser enfrentado. Abuso em decisões individuais devem ser objeto de resposta em face de casos específicos, e jamais abrir caminho para a fragilização das instituições. O tema não deveria servir para enfraquecer o Supremo na defesa dos direitos fundamentais.

A proposta de emenda à Constituição é materialmente inconstitucional por, exatamente, fragilizar a tutela dos direitos fundamentais. Mesmo diante de possibilidade de perecimento de direito, bem como de grave urgência e de perigo de dano irreparável, inadmite-se a concessão de decisão cautelar monocrática. Consequentemente, tolhe-se a previsão constitucional de inafastabilidade do controle jurisdicional, bem como da previsão, constante do título dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, segundo a qual não se excluirá da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Com efeito, a pretendida alteração legislativa esvazia a função de guardião da Constituição atribuída ao Supremo, relegando-a às hipóteses em que o seu colegiado, dentro das limitações materiais de funcionamento, for capaz de aferir as hipóteses concessivas de medidas cautelares. A inconstitucionalidade material da PEC decorre, portanto, do fato de serem insuscetíveis de alteração até mesmo por emenda constitucional proposições legislativas tendentes a abolir os direitos e garantias individuais e, ainda, instabilizar a separação dos poderes, bem como o equilíbrio no sistema de repartição de funções estatais. Tais cláusulas são pétreas.

As consequências da vedação de decisões monocráticas para a proteção dos direitos fundamentais ficam particularmente evidenciadas quando se rememora que foram as tempestivas decisões individuais no âmbito do Supremo que, durante a pandemia, preservaram muitas vidas. Isto é, há situações urgentes diante das quais não se pode aguardar o plenário, colegiado, que, por sua própria natureza e pelas funções exercidas em outras instâncias do mesmo tribunal e em outros órgãos estatais, tais como o Tribunal Superior Eleitoral e o Conselho Nacional de Justiça, não pode funcionar diuturnamente.

Outro aspecto que se coloca é que o Supremo é um tribunal constitucional com elevado plexo de competências. O expressivo número de processos, incomum para Cortes dessa natureza, impõe que os relatores forneçam prestação jurisdicional, submetendo-a, ato contínuo, ao referendo do plenário.

A despeito da inconstitucionalidade material da proposição legislativa em exame e dos interesses extrajurídicos que motivaram a aprovação da proposta de emenda constitucional no Senado Federal, é incompatível com a posição de ministro do Supremo a exteriorização da contrariedade individual perante outras autoridades da República. São indevidos os pedidos de afastamento do senador Jaques Wagner da posição de líder do governo na Casa Legislativa. Ainda que discordemos do seu voto, o parlamentar possui a prerrogativa constitucional de, livremente, posicionar-se quanto às proposições legislativas submetidas ao Parlamento.

Por fim, o Supremo já vem respondendo às disfunções decorrentes do poder concedido aos relatores através de reformas regimentais que, sem vedar decisões monocráticas, obrigam a submissão ao plenário. Por todas essas razões, a PEC é desnecessária, oportunista e inconstitucional. •

Publicado na edição n° 1288 de CartaCapital, em 06 de dezembro de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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