Marcello Fragano Baird

Coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde

Ana Maya

Nutricionista, consultora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec

Opinião

Reforma tributária: Se tem imposto seletivo, não pode ter incentivo

Preocupa a emenda aprovada na última votação, que abriu brecha para que artigos com alíquota reduzida, como produtos agropecuários e alimentos para consumo humano, não recebam tributação seletiva

A Câmara durante a votação de destaques da reforma tributária. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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A aprovação da PEC 45/2019 da reforma tributária pela Câmara dos Deputados representa um passo importante para a promoção da saúde da população. O projeto, que foi enviado ao Senado, sugere mudanças importantes, como a criação de um imposto seletivo sobre bens e serviços que fazem mal à saúde e ao ambiente. Mas apresenta algumas brechas que podem contribuir para que interesses econômicos prevaleçam sobre o direito à saúde.

Portanto, convocamos a sociedade civil a se manter atenta à tramitação da proposta entre os senadores e às futuras regulamentações.

Comemoramos a previsão do imposto seletivo sobre produtos nocivos à saúde e ao ambiente. O exemplo do tabaco é emblemático: mesmo sendo uma referência internacional no controle do tabaco, com medidas de ambientes livres de fumo, regulação da publicidade e preços e impostos, o Brasil ainda tem gastos da ordem de R$ 50 bilhões/ano com o tratamento de doenças relacionadas ao cigarro, além de gastos indiretos, como perda de produtividade, que afetam a economia, que leva a conta para R$ 92 bilhões, enquanto a arrecadação do setor não chega a R$ 13 bilhões. Fica evidente que o custo social do produto deve estar embutido em seu preço final.

No caso do álcool, a pesquisa mais recente lançada, o Covitel, um inquérito por telefone sobre os fatores de risco das doenças crônicas não transmissíveis em tempos de pandemia, destacou que 32,6% dos entrevistados entre 18 e 24 anos relatam episódio de consumo abusivo de álcool (quatro doses ou mais para mulheres e cinco doses ou mais para homens em uma mesma ocasião) nos 30 dias antes da entrevista do inquérito. Vale notar que, para fins da legislação que controla a publicidade e propaganda de bebidas, ices e outras bebidas com menor teor alcoólico não se enquadram na categoria de álcool. Na prática, isso as isenta de qualquer regulação apropriada dessas ações.

A tributação seletiva sobre todas as formas de bebidas alcoólicas é comprovada por estudos do Banco Mundial, ratificados pela Organização Mundial da Saúde, como a medida mais custo-efetiva para reduzir a prevalência do seu consumo de forma danosa.

Essas organizações internacionais vêm recomendando a tributação seletivas também para bebidas ultraprocessadas. Na região das Américas, por exemplo, Chile, Colômbia, México, Panamá, Peru, além de alguns estados ou cidades nos Estados Unidos, já adotaram tributos mais altos para esses produtos. Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Noruega, Portugal e Reino Unido são alguns exemplos europeus.

Nesse sentido, preocupa bastante a emenda aprovada na última votação da reforma tributária, que criou a possibilidade de que artigos com alíquota reduzida, como produtos agropecuários e alimentos para consumo humano, não recebam essa tributação seletiva. Precisamos garantir que ultraprocessados, agrotóxicos e produtos associados ao cultivo de fumo não se beneficiem com essa medida. Caso contrário, não faz sentido a aprovação da proposta de alíquota zero para produtos hortícolas, frutas e ovos, uma das sugestões mais festejadas do projeto.

A criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos com alíquota zero representa outro avanço e poderá significar um importante marco para a garantia do direito  à alimentação adequada e saudável previsto na Constituição. Segue o desafio da composição dessa cesta. Hoje não temos diretrizes nem referências nas legislações tributárias que tratem do assunto. Assim, diversos alimentos adequados e saudáveis, como polpas de frutas e a castanha do Pará, raramente fazem parte da lista da cesta, enquanto os ultraprocessados, como a margarina, o macarrão instantâneo e a salsicha são incluídos. Por isso, é essencial que a cesta básica seja definida em consonância com o Guia Alimentar para a População Brasileira, sendo composta por alimentos in natura, minimamente processados, alguns alimentos processados e ingredientes culinários.

Da mesma forma que devemos nos manter alertas em relação aos desdobramentos da PEC aprovada pelos deputados, não podemos nos esquecer de iniciativas importantes que ficaram de fora do texto. Entre elas, destacamos, a vinculação de recursos do imposto seletivo para o Sistema Único de Saúde (SUS) como forma de financiar os custos com o tratamento de doenças associadas ao uso de produtos nocivos.

Em relação especificamente às bebidas ultraprocessadas e açucaradas, lamentamos a manutenção do privilégio fiscal para indústrias da Zona Franca de Manaus. A concessão de benefícios bilionários leva à redução do preço e, na sequência, ao aumento do consumo de um produto comprovadamente nocivo à saúde.

Seguimos acreditando que não existe oposição entre economia e saúde. Nesse sentido, sustentamos que a política tributária se paute por diretrizes como o já citado Guia Alimentar para População Brasileira, o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil, Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, entre outras.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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