Jandira Feghali

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É deputada federal (PCdoB-RJ), vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados e vice-presidente nacional do PCdoB

Opinião

Reforma tributária aprovada: uma virada histórica, em primeira etapa

A aprovação ocorreu apesar dos absurdos divulgados sobre o texto, que foi construído com muita calma e escuta pelo relator

A Câmara durante a votação de destaques da reforma tributária. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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Há décadas dizemos que o sistema tributário é injusto e a luta por sua mudança estrutural começou. Dados se acumularam demonstrando sua regressividade e a maior incidência dos tributos sobre os assalariados, o consumo, e os que menos têm, ao mesmo tempo em que a riqueza é aliviada e a sonegação criminosa facilitada pelo cipoal legal e jurídico complexo que foi sendo construído nos três níveis da federação, além do uso abusivo de desonerações e incentivos a depender das pressões setoriais ou visões econômicas equivocadas.

Muitas propostas circulam pelo parlamento há anos, sem nunca obterem êxito. Interesses de todos os lados impediram a aprovação, gestores de várias regiões do Brasil observando conveniências de seus Estados também não chegavam a acordo e os mais abastados ajudavam a matar as iniciativas.

Em 2019, como líder da minoria na Câmara, coordenei, juntamente com o deputado Afonso Florence a formatação de uma proposta que nominamos REFORMA TRIBUTÁRIA SUSTENTÁVEL, JUSTA E SOLIDÁRIA, que além de simplificar o sistema, unificar os tributos, respeitar o pacto federativo e criar o fundo de desenvolvimento regional, observava a sustentabilidade ambiental e estabelecia a progressividade sobre heranças, patrimônio, grandes fortunas, barcos e aeronaves, lucros e dividendos, ITR. Envolvemos muitos especialistas, entidades e fizemos um grande lançamento no Congresso Nacional e demos entrada na proposta de emenda constitucional com o apoio necessário.

O que se seguiu foi um debate na comissão especial, virada de conjuntura, eleições e só agora o tema conseguiu voltar à pauta, com a vontade política do legislativo e executivo juntos. A tática usada foi dividir a reforma em duas etapas e deixar para a segunda fase a tributação progressiva mais abrangente e avançarmos em passos bem importantes neste momento para iniciarmos a virada estrutural do sistema tributário brasileiro.

E vejam que a aprovação ocorreu apesar dos absurdos que foram divulgados sobre o texto, que foi construído com muita calma e escuta pelo relator Aguinaldo Ribeiro, da atuação do governo, particularmente do ministro da economia, Fernando Haddad, e da atuação articulada e ampla da Câmara dos Deputados, que fez a grande costura com o governo, Estados, Municípios e setores da sociedade.

Interessante notar como o debate foi cercado de dados inverídicos. Em estudo recente da Universidade de Cambridge, que entrevistou 1516 adultos, pesquisadores mostraram 20 manchetes e as pessoas tinham que identificar quais eram falsas e quais eram verdadeiras. A surpresa na apresentação dos resultados foi a idade dos mais exitosos em separar verdades de mentiras. A taxa de acertos é bem maior entre os mais velhos.

De acordo com matéria do MediaTalks sobre tais resultados: “66% das pessoas mais velhas, com idade superior a 65 anos conseguiram identificar a veracidade de pelo menos 14 das questões, enquanto esse índice caiu para 60%, entre os respondentes um pouco mais jovens, de 45 a 64 anos. Comparativamente, o desempenho foi bem pior entre os mais jovens. Só 35%  dos adultos entre 30 a 44 anos conseguiram identificar corretamente a veracidade de pelo menos 14 das questões. E pior ainda foi o desempenho dos jovens entre 18 e 29 anos: só 28% deles conseguiram atingir esse nível de acerto.” 

Mas, porque a surpresa? Era de se esperar que os mais jovens, com mais acesso a todo tipo de informação que circula nas redes, tivessem uma chance maior de distinguir entre notícia falsa e verdadeira. Mas, a parcela que se informa, majoritariamente, pela mídia tradicional – mais sujeita à regulação – apresenta o discernimento maior. Do outro lado, os que se informam pelas mídias sociais tiveram índice de acerto muito baixo. O resultado é claro: os que consomem notícias por meio das redes são os mais suscetíveis às fake news. Mais desenhado, impossível. E mesmo assim, e talvez por isso mesmo, há enorme resistência em regular este verdadeiro campo minado.

Não é novidade para ninguém o volume de discursos no plenário da Câmara dos Deputados em que até o próprio parlamentar sabe que está mentindo. Em tempos em que fake news dão votos, likes, aplausos e engajamento recorde, a prática corre solta e sem previsão de ter um mínimo de regulação para que essas mentiras não corram soltas pelas redes. No debate da reforma tributária não foi diferente. Pérolas como “itens da cesta básica terão alíquota ampliada em mais de 90% na região sul”; “dá margem para explosão de gastos”; “é uma reforma injusta”; “tira a autonomia dos Estados e Municípios”; “aumenta a arrecadação da União à custa dos Estados e Municípios”, são repetidas à exaustão. Discursos são transformados em cards bonitos e postados em perfis de parlamentares com alcance de milhões. Milhões que acreditam sem questionar.

É importante combater as falsas informações disseminadas da tribuna para as redes por deputados ligados a Bolsonaro. Tentaram atacar a reforma com mentiras, mas o próprio relator registrou que a cesta básica terá tributo zero. Nós trabalhamos muito por isso e para que os alimentos saudáveis in natura fossem tributados a zero. Defendemos que o cashback, com retorno dos impostos para a população mais pobre, tivesse o critério de renda, de gênero e de raça; que Estados e Municípios não tivessem perdas com a unificação dos tributos. Lutamos para que a cultura brasileira, por sua potente dimensão econômica, não sofresse perdas, inclusive preservando as leis de incentivo dos Estados e dos Municípios. Toda a construção feita pelo Relator com a União, os Governadores e os Prefeitos nos possibilitou um texto que avança e que neste momento é o texto possível e certamente nos permitirá dar um salto para a fase 2 da reforma tributária, que será, aí sim, sobre renda, patrimônio e heranças, sendo de fato uma reforma progressiva.

A verdade prevaleceu, mas, mais do que prevalecer, devemos minar o que tem sido terreno fértil para a mentira. Em qualquer tema relevante para o conjunto da sociedade, a informação confiável deve ser garantida. E a mentira, combatida e criminalizada.

Vamos comemorar a amplitude do debate que permitiu a vitória e o isolamento das aves de agouro e da mentira!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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