Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Racismo explica a ausência de comissários de bordo negros nas empresas aéreas do Brasil

A ausência de profissionais da aviação negros é mais uma faceta de um Brasil racista que não se envergonha de sê-lo

Foto: iStock
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Tenho trabalhado e viajado muito. Nos últimos 15 dias, estive em São Paulo, Taubaté, Campinas e Curitiba, participando de eventos em que a educação e o racismo foram temas destacados, o que me deixa muito feliz.

Sem sombra de dúvida, o crescente interesse pelo tema se deve à Lei Federal n.º 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, como também à luta de ativistas e pesquisadores negros, que tensionam as escolas e toda a sociedade quanto à importância de se promover o combate à discriminação racial nas instituições de ensino. 

Nesses dias em que fazer e desfazer malas têm sido uma atividade corriqueira, passei por vários aeroportos e companhias aéreas. Os primeiros pouco ou nada lembram os que tínhamos antes da Copa do Mundo de 2014. Ficaram enormes e, em alguns casos, as distâncias até os portões de embarque são quilométricas. Já o serviço oferecido pelas companhias aéreas, com raríssimas exceções… meu Deus do céu! É praticamente impossível se mexer nas poltronas de tão apertadas. Viajar nos assentos do meio é um verdadeiro castigo. Sem falar nos preços altos das passagens e na impossibilidade de despachar malas sem pagar uma pequena fortuna. Tudo cansativo e estressante demais.

Mas a visível piora da qualidade dos serviços não é o assunto principal desse texto. Viajando pelas principais empresas aéreas do país e aguardando a escala entre um voo e outro, não vi um único negro ou negra exercendo a função de comissário de bordo. E isso não é coisa da minha cabeça ou “vitimismo”, como gostam de dizer os que negam a persistência do racismo no Brasil. Muito pelo contrário. Minha observação encontra fundamento em pesquisas recentes.

Um estudo realizado pelo Organização Quilombo Aéreo, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), aponta que, em 2022, não havia uma única mulher negra trabalhando como pilota no país. O estudo mostrou ainda que, em funções relacionadas aos serviços de bordo, as afro-brasileiras representavam apenas 2,3% do quadro de funcionários efetivos das companhias aéreas.

Em entrevista à EBC, ao ser perguntada sobre as razões dessa baixa representatividade de pessoas negras na aviação civil, Natália Oliveira, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), foi taxativa ao apontar o racismo como principal responsável pela falta de afrodescendentes nesses espaços:

“O corpo negro incomoda e é rejeitado. Olhando para o cabelo da mulher negra, por exemplo, identificamos profissionais negras que foram barradas em processos seletivos porque estavam com seus cabelos naturais soltos nas entrevistas de emprego. É explícito como essas mulheres não são selecionadas, mesmo tendo um currículo bem qualificado ou até melhor que candidatas brancas.” 

Em meio a esse processo de exclusão e discriminação, é explícito também que, nos aeroportos, os corpos negros são empurrados para as funções de limpeza. Um olhar atento nos corredores e nos banheiros permite perceber que é lá que as mulheres negras estão.

A ausência de profissionais da aviação negros é mais uma faceta de um Brasil racista que não se envergonha de sê-lo. Muito pelo contrário: banaliza os abismos que separam brancos e pretos no país. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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