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Opinião

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Quem odeia o orgulho?

A extrema-direita escolheu, para justificar a crise de seu modelo econômico e social, um novo bode expiatório: as pessoas LGBTQIAPN+

Rita Von Hunty (Foto: Reprodução/Redes sociais)
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A trajetória do capitalismo pode ser contada através dos modelos de desumanização de pessoas. Justificados por quem deles tira vantagem, tais modelos são pleiteados sempre como “naturais”, “imutáveis” e “benéficos a todos” quando são, na verdade, construtos socio-histórico-culturais, constantemente mutáveis e benéficos apenas para aqueles que os mantêm como norma.

Historicamente, durante suas crises estruturais mais profundas, o modelo capitalista produziu discursos que visavam encontrar um “inimigo comum” a toda sociedade. Com o fim dos modelos de trabalho escravo no século XIX, os países que dependiam de tal aparato reforçaram a ideia de que pessoas negras eram violentas, propensas ao crime, intelectualmente inferiores, moralmente corruptas, sexualmente predatórias, geneticamente impuras, adoradoras do demônio, e assim sucessivamente.

O mesmo discurso foi corroborado contra os judeus na Europa após o fim da Primeira Guerra Mundial e durante a ascensão do nazismo na Alemanha. Agora, a extrema-direita escolheu, para justificar a crise de seu modelo econômico e social, um novo bode expiatório: as pessoas LGBTQIAPN+.

Passado o mês de junho – que marca mundialmente a luta dessas pessoas contra os modelos sociais que pregam a exclusão de seus corpos da categoria de “seres humanos” – tivemos, no Brasil, ao menos dois episódios bastante sintomáticos do momento histórico que vivemos: a crise do modelo moribundo de vida e hegemonia no Ocidente.

Nominalmente, refiro-me à falência dos modelos de democracia-liberal-burguesa, à hegemonia econômica e militar dos Estados Unidos e ao modo predatório de vida instaurado pelas revoluções industriais e suas apropriações pelo capitalismo.

Cronologicamente, o primeiro caso acontece quando o apresentador Ratinho (Carlos Roberto Massa) diz, para milhões de pessoas, em seu programa de tevê, que “a Parada Gay (sic) é o carnaval dos viados e sapatões”. Ele sugeriu ainda que o evento fosse deslocado da Avenida Paulista para o sambódromo, sob a alegação de que a avenida deveria ser “deixada para a família”.

Para além de ignorar que pessoas LGBT não nascem em árvores, e que fazem parte de famílias e também podem constituí-las, o apresentador reforça duas ideias: a de que a categoria “família” não está acessível para tais corpos e que eles deveriam ficar restritos a um espaço.

As implicações políticas de tal discurso acarretam o não reconhecimento dessas pessoas como “família” – com sua consequente exclusão das políticas públicas voltadas à categoria – e sua colocação em guetos. Ora, não foi esse mesmo discurso que produziu a senzala e os campos de extermínio? O apresentador está sendo acusado pelo Ministério Público, por ação do deputado estadual Agripino Magalhães (MDB).

Já o segundo caso, que é bem mais explícito, ocorreu no púlpito de uma igreja, durante um culto intitulado “Deus odeia o Orgulho”. O dito “pastor” André Valadão afirmou que junho seria o mês mais repugnado por Deus e que, se Ele pudesse, “mataria a todos” insinuando em seguida a seus fiéis que “agora estaria com eles” e que era hora de “ir pra cima”.

Valadão tornou-se líder da igreja “Lagoinha Global”, que tem mais de 700 templos no Brasil e no mundo. Valadão argumentou que o cristianismo pregava a humilhação e a humildade e, posteriormente, gravou, de um carro de luxo e com um crucifixo de diamantes em torno do pescoço, um vídeo no qual dizia que suas falas haviam sido “tiradas de contexto”. O “pastor” está sendo acusado junto ao Ministério Público Federal por ação da ­deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP).

Não é novidade que ambos, Ratinho e Valadão, foram apoiadores e cabos eleitorais do bolsonarismo. E tampouco é novidade que o bolsonarismo tenta reencenar, no Brasil, o nazifascismo europeu.

Temos visto a ação conjunta da extrema-direita ao redor do mundo para criminalizar, vilipendiar e estigmatizar as pessoas LGBTQIAPN+. Resta saber se agentes democratas lutarão para banir da esfera pública tais discursos, ou se veremos, mais uma vez, a leniência dos liberais, que, como no século passado, têm sido os principais aliados para que o nazifascismo triunfe nas mentes e corações da classe trabalhadora.

Seguiremos orgulhosamente em luta, na esperança de que vocês também façam a sua parte. •

Publicado na edição n° 1267 de CartaCapital, em 12 de julho de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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