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Opinião

Qual o papel do Ministério da educação num governo quixotesco?

É necessário que as coisas sejam claras: a serviço de que se encontra o governo e, em específico, o ministério da educação?

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Por Aldineto Miranda Santos

Em pouco mais de 100 dias de governo Bolsonaro, não foram realizadas medidas que realmente busquem resolver, estruturalmente, os problemas que assolam a educação brasileira.

Em nome de se combater uma suposta ideologização de esquerda na educação, os problemas principais foram colocados fora de foco: aliar educação de qualidade com democratização do acesso; possibilitar que a escola seja um lugar de transformação de destinos, um espaço realmente educativo que dê ferramentas aos educandos para atuarem como cidadãos e se inserirem com sucesso no mundo do trabalho.

Todos os problemas acima citados se perdem perante o esforço de extirpar o pensamento de esquerda da educação? Então, esta é a grande meta do ministério da educação no governo Bolsonaro?

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O MEC quer realizar uma disputa de discurso, ainda que esta disputa vá de encontro a todas as pesquisas sérias realizadas por historiadores, sociólogos, geógrafos, filósofos, biólogos e outros profissionais com expertise em suas áreas de atuação. Não está claro… Quais as reais propostas?

A exemplo do ensino domiciliar, de que maneira tal mecanismo resolve, estruturalmente, o problema da educação? Num país em que grande parte do povo cresceu sem acesso à educação e outra parte foi relegada a uma educação deficitária, pela constante desvalorização e desmandos na oferta do ensino público, como é que o ensino domiciliar possibilitará uma mudança estrutural nos problemas da educação?

Não quero nem discutir aqui, a necessidade da criança se desenvolver num ambiente que possibilite uma maior socialização, que conviva com o diferente e viva felicidades e frustrações… Não entrarei neste mérito, essa é uma seara que é um “prato cheio” para a discussão de pedagogos e sociólogos.

Gostaria de saber o seguinte: teremos uma gestão da educação baseada em metas específicas, superficiais, clientelistas e de grupos específicos da sociedade? Ou o novo ministro, sairá do gabinete e das medidas técnicas, para olhar nos olhos daqueles que realmente necessitam de uma educação de qualidade, nos recantos mais recônditos do país?

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São questões importantes para toda sociedade brasileira. Quando se trata de discurso, toca-se no tema filosófico da verdade. Tal como Pilatos, perante o julgamento de Cristo, ainda se torna premente perguntar: verdade? O que é verdade? Quando o governo se acha no direito de se colocar contra uma maneira de pensar – que seria a chamada “ideologia de esquerda” – afirma, nas entrelinhas, que há uma outra forma de pensar bem, de pensar certo.

Segundo Pêcheux, estudioso francês da análise do discurso, não há nenhum discurso sem sujeito e, por sua vez, não há sujeito sem ideologia. Então, quais sujeitos e quais ideologias serão defendidas como aceitas e permitidas?

O problema não é o que é ideológico; o trágico, é um pensamento ideológico baseado na ignorância. Foucault, em sua obra Microfísica do Poder, explica que o discurso se relaciona com o poder e, nesse sentido, com produção de “verdades”. Dessa forma, querer a todo o custo combater uma maneira de pensar e estigmatizá-la é amedrontador, pois significa a imposição de uma maneira “certa” de pensar e, historicamente, sempre quando se tentou aprisionar o pensamento, surgiram aberrações como a queima de bruxas, a inquisição e as ditaduras de todo o tipo.

Isso me faz lembrar a leitura da obra Admirável Mundo Novo, de Huxley, em que o autor cria um ambiente no qual os livros, a literatura e a música, enfim, a arte, só podem ser aceitas na medida em que fortalece uma sociedade mecanizada, de pessoas criadas em laboratório como robôs, e que devem simplesmente se conformar com tudo que lhes é transmitido. Lembremo-nos que Admirável Mundo Novo parodia uma sociedade totalitária…

Todo o revisionismo da história pregado e a batalha que está sendo realizada, criando a suposição de que há uma ideia inimiga da nação e/ou inimigos que se quer combater, soam como uma pregação religiosa e irracional. Nesse ínterim, é necessário que as coisas sejam claras: a serviço de que se encontra o governo e, em específico, o ministério da educação?

Das crianças, jovens e adultos de todo o país, que a despeito de uma educação com vários problemas, ainda acreditam que a escola pode mudar posturas, pessoas e destinos? A serviço da entidade chamada mercado ou de uma classe de indivíduos ou em prol de uma tentativa que beira à esquizofrenia paranoica de lutar contra “fantasmas” ou “moinhos de vento”?

Nessa referência a Cervantes, quem seriam os personagens Dom Quixote e Sancho Pança? São tantas questões… Talvez não haja somente um Dom Quixote…

Aldineto Miranda Santos, Mestre em Linguagens e Representações, Professor de Filosofia e Filosofia da Educação no Instituto Federal da Bahia (IFBA) e coordenador da área de Ciêncas Humanas do IFBA

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