Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Projetos, simplesmente projetos

A morte de Elifas Andreato nesta semana me trouxe de volta recordações. Tudo muito doído. Ou tudo muito doido, sem assento

(Reprodução/Arquivo Pessoal)
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O primeiro durou muito tempo, uma década, na verdade. Era um projeto que amadurecíamos a cada fim de semana de fechamento do Fantástico, saboreando uma comida mineira em Botafogo, aos sábados, tarde da noite.

A ideia era juntar o meu acervo ao acervo do jornalista Geneton Moraes Neto. Coleções de revistas, recortes de jornais, dezenas e dezenas de fitas com entrevistas. Glauber Rocha, Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade, Caetano Veloso, por exemplo.

O projeto era criar a Fundação Villas-Moraes de Jornalismo. Montar um museu, dar cursos, palestras, expor o que, por pura paixão, havíamos juntado durante muitos anos de jornalismo em revistas, jornais, rádio e televisão.

Nossa paixão pela imprensa alternativa era clara. Opinião, Movimento, Em Tempo, De Fato, O Saco, Versus, O Verbo, Nós Mulheres, Mulherio, Brasil Mulher, Circus, Silêncio, Inéditos, Vapor, José, Escrita, A Pomba, Flor do Mal, Pasquim. Era muita coisa.

Raridades como o número 0 da revista Realidade, os números 1 da Manchete, da Quatro Rodas, da Veja, da IstoÉ, até da Tudo, a primeira newsmagazine brasileira, com Assis Chateaubriand de cangaceiro na capa.
Volumes encadernados com todas as páginas do Millôr na Veja e na IstoÉ, a coleção do Pif Paf, os dois discos de bolso do Pasquim, lançando João Bosco cantando Agnus Sei, Fagner cantando A Volta da Asa Branca e a canção Águas de Março, com Tom Jobim.

Saboreando um franguinho ao molho pardo, um quiabo baboso, um angu fumegante, aquela pimenta malagueta, mandioca frita e um Romeu e Julieta de sobremesa, sonhávamos alugar um casarão e colocar tudo em ordem num desenho lógico.

De repente, veio uma doença traiçoeira, rápida, e me levou o Geneton.

O segundo projeto, morreu antes de muitos sonhos, nunca soube o motivo. Em meados do ano 2000, reunido com Elifas Andreato, apaixonado que eu era pelo Almanaque Brasil que ele fazia e distribuía nos voos da TAM, sugeri aquilo num quadro no Fantástico.

A cada fim de bloco viria uma curiosidade, uma pergunta, que seria respondida na abertura do bloco seguinte do programa.

Em que ano o Brasil teve dois carnavais?

É verdade que Samuel Wainer nasceu na Bessarábia?

De onde surgiu a expressão a cobra vai fumar?

Eram perguntas assim, para o telespectador correr no Aurélio, na Barsa, e tentar responder enquanto corriam os comerciais. Isso porque ainda não havia Google para nós.

Foram algumas reuniões e o projeto naufragou. Como naufragou o projeto de colher histórias no aeroporto, de gente chegando e gente partindo. Projeto recusado pela direção do programa com o argumento de que daria apenas uma matéria, não uma série. Alguns anos depois, a ideia virou um programa de sucesso com várias temporadas, pilotado por Astrid Fontenele, no GNT.

Naufragou como naufragou a ideia de Rita Lobo de fazer no show da vida, uma série sobre gastronomia, com receitas feitas somente com produtos da cesta básica. Ninguém sabia quem era Rita Lobo. Ela ficou famosa depois de estrear suas ideias, recusadas pelo Fantástico, também no GNT.

A morte de Elifas Andreato nesta semana me trouxe de volta recordações. Tudo muito doído. Ou tudo muito doido, sem assento.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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