Opinião

Por que Lula se embanana com o agronegócio?

Para gáudio na ultradireita, a cambada ruralista no Congresso tem forçado o presidente a retroceder na política que aplicou em seus dois mandatos anteriores

Brazilian President Luiz Inacio Lula da Silva (L) and Brazilian indigenous leader Raoni Metuktire are pictured during a ceremony to celebrate World Environment Day at the Planalto Palace in Brasilia on June 5, 2023. (Photo by EVARISTO SA / AFP)
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Curto e grosso respondo: à toa. Porque não o entende ou não quer que o façam entender.

Não dar a mínima para o assunto, impossível. “Burro”, no sentido qualitativo e pejorativo, não o é. Poderia ser, pois burrice, no Brasil, vejo como fenômeno pandêmico. Mas, pelo contrário, tem capacidades racionais e intuitivas mais do que comprovadas.

É o que me intriga. Eleito para presidir a República no maior “mamão com açúcar”, tão ínfimo intelectualmente seu oponente e tão menores suas ações enquanto no poder incumbente (agradeço o termo ao professor Delfim Netto; gostaria de voltar a lê-lo, mas onde?).

Este colunista menor trabalha no setor agropecuário desde 1975 e até hoje. Parte (maior) como vendedor de insumos, parte (menor) como consultor e palestrante de grandes empresas (Petrobras, Vale, proprietários de largas extensões de terra nas principais culturas de produção e exportação brasileiras, pequenos agricultores, assentamentos, enfim, escolha de sobrevivência). Até cafeicultor nos limites de São Paulo e sul de Minas Gerais já fui. Não houve, pois, região agrícola que estes pés pequenos e rotundos, em quase meio século, deixassem de pisar.

Hoje em dia, com a ajuda de alguns poucos abnegados, dedico-me a uma pequena empresa de fertilizantes especiais, inovações biológicas e orgânicas, que luta contra os desafios dos interesses financeiros embutidos nas ações regulatórias dos seguidos governos, do poder econômico das grandes empresas estrangeiras, do obscurantismo da academia e da financeirização do capitalismo.

É verdade que, aos poucos, por acidente que tive há dois anos e velhice, vou ralentando meus alcances, o que muito me dói.

No entanto, há cerca de 20 anos, com a permissão de algumas publicações digitais sérias, pude descrever de forma clara pensamentos e experiências inconformados com a dicotomia que se impõe à agropecuária brasileira. Lidas e discutidas já poderiam ter permitido a integração benéfica de governos, produtores de commodities, ambientalistas e sociedade em geral.

Poder-se-ia ter desenrolado esse nó medíocre que breca desenvolvimento (enfastiado, evito a palavra “narrativa”) mais harmônico da agropecuária e seus negócios.

Louvável e reconfortante, entretanto, e para isso o elegemos, o discurso de Lula em comemoração ao Dia Internacional do Meio Ambiente, por acaso, aniversário da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, assassinados na Amazônia.

Nos últimos meses, para gáudio na ultradireita, a cambada ruralista no Congresso, diante da quietude do presidente da República, tem forçado Lula a retroceder na política que aplicou em seus dois mandatos anteriores, em diretrizes expostas na campanha, na simbologia intrínseca durante a coreografia e o seu discurso de posse, a correção da estrutura do ministério e dos membros para ele indicados, desfazendo a destruição que seu antecessor promoveu nos órgãos ligados à política dirigida aos povos originários, meio ambiente e no slogan “união e reconstrução”.

Afinal no agronegócio e na volta do papel essencial da agricultura familiar e dos pequenos produtores, tão óbvias suas necessidades contrapostas às dos produtores de commodities.

Por que, Lula, feito presidente, abandonaria o discernimento de que seu papel principal é aprofundar o mecanismo de preservação do meio ambiente, dos direitos dos povos originários e do fortalecimento da cultura do País?

Por que não entenderia que plantar e produzir grãos e outras commodities em largas extensões de terra, respeitadas as leis de preservação, em regiões a isso adequadas, bem como em poucos hectares por núcleos familiares de homens e mulheres, caboclos, campesinos, sertanejos ou tabaréus, isolados ou em assentamentos, do Movimento dos Sem Terra ou não, positivam a economia brasileira?

Não creio ser por ter saído do Nordeste criança, como pau-de-arara, e vindo cair no ABC paulista para transformar a relação entre capital e trabalho na indústria automobilística, sem nunca ter plantado um pé de feijão.

Mas, alvíssaras! Parece começar a entender o rural brasileiro. Lula, apenas, tende a se embananar diante de um Congresso em que, atrás de cada político, seja do Legislativo, Judiciário, ou mesmo do Executivo, haverá um dono de terras, produtivas ou improdutivas, frutos da reforma agrária que deixou de ser feita, lá atrás, quando o Brasil trançava pernas como País monocultor.

Não retroceda! No discurso de cinco de junho deste ano você foi perfeito.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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