Paulo Petersen

Agrônomo e membro da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

André Burigo

Pesquisador na área de Saúde Pública e membro da Agenda de Saúde e Agroecologia da Fundação Oswaldo Cruz.

Opinião

Políticas públicas para um futuro sem fome e com saúde

A vida não é separada em setores: na mesma horta que há alimento, há também plantas medicinais, renda e trabalho

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de relançamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Recriação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF). Foto: Ricardo Stuckert/PR
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O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar anunciou na última semana, em um seminário na sede da Fundação Oswaldo Cruz, o lançamento de um programa nacional de estímulo à produção de alimentos saudáveis, como parte do próximo Plano Safra, que será apresentado em maio. É muito significativo que o anúncio tenha ocorrido em um órgão do Ministério da Saúde. Sinaliza a premissa de que os grandes desafios da sociedade devem ser entendidos e enfrentados com articulação entre os setores da administração pública.

A experiência brasileira de saída do mapa da fome das Nações Unidas veio acompanhada, paradoxalmente, do aumento de agravos à saúde coletiva, em função do avanço da má alimentação e consumo de alimentos ultraprocessados. Hoje, embora a fome esteja no centro da agenda do governo, não é a única epidemia a ameaçar nossa saúde. Um relatório publicado na revista The Lancet propôs o conceito de sindemia para explicar a convergência de três pandemias: a fome, o sobrepeso e obesidade, associados à má alimentação, e as mudanças climáticas. Todas são consequência da configuração de sistemas alimentares globalizados e devem ser enfrentadas de forma integrada, com a criação de políticas públicas que garantam, ao mesmo tempo, alimentação e saúde para a população.

Não existe mais dúvida sobre o potencial produtivo da agroecologia para atender os desafios alimentares, colocando em xeque a retórica de que o agronegócio é o único com condições de produzir alimentos em escala capaz de alimentar toda a população. Além disso, os grandes conglomerados do setor agroalimentar são responsáveis pela reconversão de grandes extensões territoriais para a produção de commodities agrícolas voltadas à indústria de alimentos e à exportação. Ou seja, o agronegócio é pai e mãe do consumo brutal de ultraprocessados em uma relação que, sabemos, é pra lá de tóxica, de modo que torna impossível a superação da má alimentação depender de suas práticas.

O Brasil é uma das maiores referências em agroecologia no mundo. Temos muitas e variadas experiências, de referência para a retomada das políticas nacionais. Mapeamentos realizados pela Articulação Nacional de Agroecologia demonstram que políticas coerentes com os fundamentos da agroecologia já existem e estão bem disseminadas em todas as esferas federativas, mas revelam também a necessidade de aprimoramento para que sejam melhor conectadas, numa perspectiva intersetorial que aproxime a produção do consumo alimentar. Políticas públicas formuladas na concepção de sistemas – Sistema Único de Saúde, Sistema Único de Assistência Social, Sistema de Segurança Alimentar Nutricional -, necessariamente envolvem ações de um conjunto de ministérios.

Há várias políticas públicas do Sistema Único de Saúde, Fiocruz e diferentes campos da Saúde Coletiva que articulam saúde e agroecologia, como a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (2006), a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (2006), a Farmácia Viva (2010), a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (2011), a Vigilância em Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos (2012), o Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos (2019) e o Programa Nacional de Saneamento Rural (2019). Todas elas estão muito fragilizadas e precisam ser fortalecidas.

Para a agroecologia, a questão dos alimentos vai além do que é produzido, tem muito a ver com a forma como são transformados, distribuídos e consumidos. Por isso, o Estado tem um papel central de garantir o alimento como um direito, incentivando uma nova lógica de organização social, econômica e técnica dos sistemas alimentares.

A agroecologia é mais do que a produção de alimentos saudáveis, diz também respeito a gerar renda para quem vive em situações de maior vulnerabilidade no campo e na cidade. Ela reconhece o protagonismo das mulheres e dos jovens, fortalece a luta contra o racismo, preserva a biodiversidade e contribui para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. A vida não é separada em setores: na mesma horta que há alimento, há também plantas medicinais, renda e trabalho.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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