Opinião

Podemos servir à comunidade, aos amigos e a nós mesmos

Como superar a solidão de forma coletiva?

Foto: Istock
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“A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.” – Sidarta Gautama.

A experiência da dor talvez seja a que mais nos reduz ao isolamento e à solidão.

A vida é plena de hiatos: chegamos e partimos sós, mas ao longo de nossa existência também experimentamos tantos momentos isolados!

Quando estamos dirigindo, escrevendo ou lendo, por exemplo.

Entretanto, o paroxismo da soledade é a dor, seja ela física, mental ou espiritual, como muitos santos relatam.

A pobreza também é dolorida, assim como a discriminação, o medo e o desconhecimento.

Como superar essa condição tão individual, de forma coletiva?

Isso é possível?

As dores da natureza não nos fazem igualmente padecer?

Sobre os sofrimentos coletivos, Ailton Krenak, na entrevista a Ana Paula Sousa, em CartaCapital, amplia conceitos: “Primeiro, temos de substituir a palavra desenvolvimento pela palavra ‘envolvimento’. É de envolvimento que se trata. Eu não acredito em desenvolvimento. Devemos todos nos envolver e entender que precisamos de todos os outros organismos para que seja mantida a experiência comum de estarmos vivos. Não tem como a gente experimentar a vida, se não estivermos supridos por toda essa oferta de bem-estar que organismos não humanos – muitos do quais nem vemos – nos oferecem. O homem acha que ele pode apenas ficar vivo, sem pagar nenhuma conta e, com isso, a caminhada humana deixa em torno de si um deserto. Quando falo dessas coisas, não se trata de salvar a Terra, mas de nos salvarmos. Não falo apenas dos índios, mas de todos nós.”

Felizmente, países latino-americanos já começam a reconhecer direitos da natureza, mãe que a todos nós alberga, nutre e protege.

Sobre os serviços da natureza, vale lembrar o belíssimo poema da poetisa, educadora, diplomata e feminista chilena, ganhadora do Nobel de Literatura de 1945, Gabriela Mistral:

“O prazer de servir.

Toda a natureza é um desejo de serviço.
Serve a nuvem, serve o vento, servem os vales.
Onde haja uma árvore que plantar, planta-a tu;
Onde haja um erro que emendar, emenda-o tu;
Onde haja um esforço que todos evitam, aceita-o tu.

Sê aquele que afasta a pedra do caminho,
O ódio dos corações e as dificuldades de um problema
Existe a alegria de ser são, e a alegria de ser justo,
Mas existe, sobretudo, a formosa, a imensa alegria de servir.
Como seria triste o mundo se tudo já tivesse sido feito,
Se não houvesse um roseiral que plantar, uma empresa que iniciar!
Que não te atraiam somente os trabalhos fáceis.

É tão belo fazer a tarefa a que outros se esquivam!
Mas não caias no erro de que só se conquistam méritos
Com os grandes trabalhos;
Há pequenos serviços que são imensos serviços:
Adornar a mesa, arrumar os bancos, espanar o pó.
Aquele é o que critica, este é o que destrói;
Sê tu o que serve.

O serviço não é tarefa só de seres inferiores.
Deus, que dá o fruto e a luz, serve.
Poder-se-ia chamá-lo assim: Aquele que serve.
E Ele, que tem os olhos em nossas mãos, nos pergunta todo dia:
‘Serviste hoje? A quem? À árvore, a teu amigo, à tua mãe?”

Podemos servir à comunidade, aos amigos e a nós mesmos.

Em “As coisas que você só vê quando desacelera” (Editora Sextante), Haemin Sunim aconselha: “Quando tiver uma sensação desagradável, não se prenda a ela nem a fique remoendo. Em vez disso, deixe-a em paz para que possa fluir. A onda de emoção vai recuar naturalmente se você não alimentá-la pensando nela sem parar.”

Gosto muito da imagem da onda, parte do mar, a interação dele com a terra, o contato entre os dois elementos.

Penso até em política externa como onda: o mar seria a política interna, a cultura de um país, sua forma de interagir.

Gosto de pensá-la como algo instrumental, sem moto próprio, fluindo, escorrendo, emanando da política interna, sem mistérios, artimanhas, coisas escondidas ou incompreensíveis.

Em “Clarice, uma vida que se conta” (editora EDUSP), Nádia Battella Gotlib, cita a própria biografada, Clarice Lispector: “Em Recife, onde morei até doze anos de idade, havia muitas vezes nas ruas um aglomerado de pessoas diante das quais alguém discursava ardorosamente sobre a tragédia social. E lembro-me de como eu vibrava e de como eu me prometia que um dia esta seria a minha tarefa: a de defender os direitos dos outros. No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima. É pouco, é muito pouco.”

Seria tão pouco Clarice traduzir tão exatamente os sentimentos humanos? Não, Ludwig Wittgenstein, que reputo o maior filósofo do século passado, diria que é muito, que é o desafio filosófico, a imensidão que rompe o insulamento, o pesar, até a morte.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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