Opinião

Os piratas das tecnologias agropecuárias

A história mostra inúmeros casos assim, mercadologicamente, de termos sido assacados

Captura do Pirata, Barba Negra, 1718, por Jean Leon Gerome Ferris. Foto: Reprodução
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Creio que há, exatamente, um mês não venho a esta tela de CartaCapital. Mais uma vez enfermidades e hospitalizações me impediram. Não temam. Não entrarei, novamente, nessa cantilena sanitária. Se não gosto que me amofinem, muito menos temo amofinar aos raros leitores.

Se curiosos, poderão ir ao GGN, do Luís Nassif, e ler minha mais recente coluna “Finitude e Solidão”. Afinal, considero parte de minha vida escrita naquelas telas. O lado profissional nestas. Pelos posicionamentos e honestidade das duas publicações.

Na última incursão aqui tentei desmistificar o agronegócio como pernicioso em si mesmo. Toda a atividade agropecuária, não importam dimensão, cultura ou destino, vira negócio, portanto uma designação semântica criada por norte-americanos e adotada por imbecis brasileiros para reforçar o capitalismo dos interesses hegemônicos. 

Quando não conseguem só no dinheiro, usam seus arsenais. Vide o careca de olhos frios, Vladimir Putin, o que faz com a Ucrânia.

Outros são mais sutis. O que, por exemplo, vocês acham dos irlandeses? Legais, não? Durante vinte anos assim os achei. Até mesmo razoáveis seus uísques quando comparados aos escoceses. 

Como sabem, sem talento para ser o que Dom Martinho, no Colégio de São Bento, me indicou, ser escritor, logo que formado fui trabalhar no setor agrícola (adubos – um professor da GV me encaminhou para uma grande empresa de fertilizantes do setor).

Por determinação equivocada do acionista principal, a empresa ficou fora da privatização. Mentalidade antiga (não concebia fazer sociedade com concorrentes). Um consórcio de grandes empresas que já atuavam no mercado brasileiro ganhou no leilão, e ficou com o complexo estatal produtor de matérias-primas para fertilizantes e dominou o mercado final. Pensavam assim dominar o predatório mercado final que, sem concorrência, beneficiaria as empresas em detrimento dos produtores rurais. Grandes, médios e pequenos.

A grande empresa nacional em que trabalhava, pioneira, em que eu era diretor-geral, quebrou e eu, por avais e fianças, fui junto. Todo o patrimônio que tinha criado com meus salários de executivo se foi.

Para recomeçar, amigos me ajudaram a abrir um pequeno negócio, fora do mainstream.  Experiente, estudioso de tendências, pesquisador de tecnologias inovadoras, em 2002, comecei. Primeiro, como consultor, depois como pequeno empresário. 

O irlandês foi meu primeiro fornecedor externo. Assinamos contrato de distribuição exclusiva para o Brasil de um produto baseado em extratos vegetais oriundos de uma espécie de algas marinhas, cultivadas em águas suficientemente frias do Atlântico Norte.

Nosso trabalho: a) promover testes em universidade pública credenciada junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que atestasse a efetividade do produto; b) aprovado, obtivemos a licença de comercialização, desde que ele viesse embalado e não tivesse qualquer manipulação no Brasil; c) por contrato, deveria ser vendido com a marca da produtora irlandesa. O nome de nossa empresa entraria no rótulo apenas como distribuidor exclusivo; d) todos os custos portuários para desembaraço seriam nossos; e) metas de crescimento vieram de lá e foram cumpridas; f) por duas vezes trouxemos o irlandês para palestras, em São Paulo e Petrolina (PE) sobre o produto, tudo às nossas expensas; g) fizemos extensos treinamentos com nossa equipe de técnicos e vendedores, além de material promocional e doações de produtos para experimentos, sempre pagos por nossa empresa; h) em 2019, por dificuldades operacionais (?) do fornecedor, para não deixar de atender nossos (deles) clientes, várias vezes, devido à premência do plantio, importamos o produto por avião, a fretes exorbitantes. 

E assim caminhavam os pequenos e médios agricultores daquela ilha situada no Atlântico Sul, país do futebol e do samba. A cada ano aumentávamos a compra do produto irlandês e na data aprazada transferíamos euros para o país tido como a “Ilha Esmeralda”.

A pirataria econômica mostra suas garras

De todo o território da ilha, porém, podia-se avistar uma frota de navios se aproximando por nossos mares gentis. A bandeira que os identificava:

Sem qualquer aviso ao seu distribuidor exclusivo para o Brasil haviam estabelecido uma nova capitania hereditária (subsidiária) no Brasil.

Missivas de protesto foram trocadas. Não houve jeito. Foram praticando os métodos clássicos para desalojar do território os yanomamis locais. Em economia: preços mais altos, cada vez menos competitivos, com tecnologias disfarçadas para o mesmo produto, pressão nas condições comerciais incluídas nos contratos originais, aliciamento de clientes por nós conquistados, finalmente, sob os mais esfarrapados motivos, cortaram o fornecimento à grandiosa Terra de Santa Cruz, vez ou outra, chamada Brasil, para 2023.

Depois de mais de um ano de queixas e inúmeros impropérios meus (na língua dos piratas) eles acabam de nos atender com um lote que não chega a representar 10% do que costumava ser nosso consumo anual.

Não, não quebramos, nem o iremos. Precavidos, temos uma extensa linha de produtos, fabricação própria ou de outros batalhadores nacionais, para lutarmos. Temos documentação suficiente para mostrar nossa razão em qualquer tribunal internacional. 

Conclusão

A história mostra inúmeros casos assim, mercadologicamente, de termos sido assacados. Conto a minha, porque melhor a conheço e sofro.

Se vocês, amigos agrônomos, biólogos, técnicos, investidores, decidirem empreender junto com grandes empresas internacionais, antes de assinar qualquer contrato, estejam protegidos por uma boa equipe de advogados nacionais.

No momento, eu, capitão de mar-e-guerra, Rui “Gláuber Rocha” Daher, procuro aliados para nos defender de Jameson, o irlandês.

Inté!

Nota: do autor, a reprodução deste artigo em qualquer publicação, nacional ou internacional, está autorizada, dependendo apenas de CartaCapital

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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