Opinião

O agronegócio da ultradireita brasileira

Quase metade de vocês nega o potencial econômico, social e ambiental de seu país

(Foto: iStock)
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Não pergunto. Vergonha de ouvir a resposta. Então, respondo: quase metade de vocês nega o potencial econômico, social e ambiental de seu país; abstraem a diferença entre Estado e governo; ignoram que as vantagens do país diante do planeta vieram de condições edafoclimáticas, presentes da geografia, dos indígenas, dos portugueses ou, para quem acredita, de Deus, mono ou politeísta.

Nem mesmo assim vocês defendem como soberano um território de 8,5 quilômetros quadrados, extenso litoral, praias de beleza insuperável e diversificada, misturadas a altiplanos incomparáveis e, ainda, de matas e florestas intocadas, a não ser por sobreviventes caboclos, caipiras, campesinos, sertanejos e tabaréus. Aquela subclasse que os urbanoides subestimam.

Até mesmo a cultura prodigiosa vocês passaram a danificar com acordes repetitivos e monocórdicos, neo-quaisquer-merdas que afrontam as características regionais, de raiz.

Se temos o samba de Sinhô a Chico Buarque, o baião de Gonzaga a Dominguinhos, o forró de Jackson do Pandeiro ao Trio Virgulino, o samba-canção de Orlando Silva a Altemar Dutra, por que me fazem ouvir Malvino & Salvador, ou qualquer coisa semelhante? Sofrência de cornos, motéis e boleros sincopados.

Cultura, no entanto, não é somente música. No momento, releio “Crônica da casa assassinada”, de Lúcio Cardoso, 1959. Fiz bem: antes lera “Lavoura Arcaica”, de Raduan Nassar, (José Olympio, 1975). Assim continuarei. Até que alguém da nova geração me seja apresentado. Quem sabe, para meus filhos, Matheus Pichonelli e Márcio Alemão?

Acho impossível entender a agropecuária brasileira e seus negócios (agronegócios, como mais monetizado dizer) sem a introdução acima.

Segundo o 4° Levantamento da CONAB, na safra 2022/23, entre as culturas de verão e inverno, o Brasil deverá produzir 311 milhões de toneladas de grãos, 89% são soja e milho. Arroz, feijão e trigo, 7,5%.

Os demais 3,5% estão divididos entre girassol, mamona, sorgo, aveia, canola, centeio, cevada, triticale.

Os 7,5%, costumavam frequentar a mesa dos brasileiros que, mesmo pobres, tinham direito a se nutrir com três refeições diárias, um luxo, daqueles que, décadas atrás, permitiu-nos transformar aeroportos em rodoviárias e fugir mais rápido para Guaporé (ah, desculpem-me, mudou de nome – será que enricou?).

Com os 3,5%, tenho certeza que nossas universidades, institutos de pesquisas, e sofisticados chefs tatuados em seus chiques programas gastronômicos, na TV, poderiam inventar pratos mais acessíveis, pois não regulados pelos preços das bolsas internacionais e a variação cambial, gozo das pautas sobre inflação das folhas e telas cotidianas.

Então direis, “ouvir estrelas”, e de onde virão nossas divisas, como equilibrar a balança comercial? 

Ora, ora, ouvindo estrelas. Continuando competitivos para exportar commodities. O estrago começou a ser feito nos anos 1970, veio parar aqui, e tentar consertar só irá fazer-nos perder rubrica na direção do desenvolvimento econômico. E? Parem por aí. Não devastem tesouros mais valiosos que seus instáveis mercados de grãos.

No café, a área plantada está em queda há alguns anos – além de transpor para o Norte (Rondônia) e Nordeste (Bahia), abandona suas áreas de clima e relevo adequados, para as substituir por … soja. Na última safra, que logo começará a ser colhida, bienalidade positiva, o crescimento, tanto em área como produção, permanecerá estável. Cansei de passar em zonas cafeeiras do sul de Minas Gerais e ver cafezais sendo erradicados para plantio de soja. É ganho imediato, acreditam.

A área plantada com cana-de-açúcar, entre 2011/12 e 2021/22, caiu 13%, embora parte compensada por aumento na produtividade, por inclusão massiva de agroquímicos caríssimos, importados por câmbio apreciado nos anos Regente Insano Primeiro e Posto Ipiranga.

Enfim, resolvo responder: como opção política, saudável para seus agronegócios, vocês são uns paspalhos atrás de comprar arminhas e destratar a mão-de-obra que lhes é tão útil e passiva.

Se não mudar de ideia, continuarei discutindo a cadeia alimentar cantada, em prosa e versos, pela ultradireita brasileira, vocês.

Inté!      

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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