Opinião
Parlamentares, imprensa e ministros do STF pedirão desculpa a Dilma após decisão do TRF-1?
Há militares e diplomatas que também compactuaram com a farsa, ao arrepio da lei e da Constituição
“Arte não é só fazer: é também esperar. Quando o veio seca, nada melhor para o artista que oferecer a face aos ventos, e viver, pois só da vida lhe poderão advir novos motivos para criar” – Vinicius de Moraes
O Tribunal da Região Federal 1, de Brasília, acaba de isentar a ex-presidenta Dilma Rousseff de responsabilidade pelas pedaladas fiscais que serviram de pretexto para a destituição dela, em 2016.
Os deputados que avalizaram aquela farsa irão se desculpar? Os senadores? A imprensa? Os membros do Supremo Tribunal Federal que compactuaram, ao arrepio da lei e da constituição? Os militares? Os diplomatas?
Sabemos que não o farão; isso requeriria caráter.
Desprovidos de ética e moral, caberia cobrar-lhes indenização pecuniária, pois, se por dinheiro se venderam, só esse valor reconhecem, não outros.
Mas se há os que se alienam, também há os que não o fazem.
Em declaração recente, o anfitrião da atual cúpula do Brics, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, declarou a propósito: “Nossa posição não-alinhada se mantém ao lado de nosso apoio pelas lutas dos oprimidos e marginalizados, em diferentes partes do mundo. Sempre acreditamos na liberdade que conquistamos, e a solidariedade internacional da qual nos beneficiamos impõe-nos uma obrigação de sustentar as lutas daqueles que continuam a experimentar o colonialismo e a opressão racial. Por isso, continuaremos ao lado dos povos da Palestina e do Sahara Ocidental”.
Que importante seria o Brasil também assumir essa posição na cúpula dos países Brics, que se desenvolve na África do Sul, nos dias que correm!
Ambos aqueles países encontram-se sob ocupação estrangeira, o primeiro sob o tacão genocida de Israel, o segundo baixo a invasão assassina do Marrocos.
Em Frantz Fanon: um retrato, de Alice Cherki (editora Perspectiva), a autora, que fora amiga do psiquiatra martinicano, recorda: “Libertação de povos e de indivíduos, cultura, violência, apelo a novas sociedades na África: todos esses temas foram abordados de forma muito antecipatória por Fanon, incluindo a recomendação (que foi um verdadeiro escândalo na época) aos povos africanos: que se afastassem de uma Europa cuja hegemonia se tornara frágil e incerta”.
Precisamente, quem sustenta as ocupações da Palestina e do Sahara Ocidental, senão os Estados Unidos da América e os aliados europeus?
Cherki nota também: “…o que Fanon almeja é libertar o homem, subjetiva, cultural e politicamente…Não quer que se atribua um lugar para o outro enquanto Outro, que é a tendência dominante das nossas sociedades atuais.”
E como podemos nos libertar, uns aos outros, sem comunicação, inclusive artística?
Em Latim em Pó, de Caetano Galindo (Companhia das Letras), descobrimos que: “…a África abriga cerca de um terço de toda a diversidade linguística mundial”.
Decorre que o sequestro dos cinco milhões de africanos trazidos ao Brasil iria transformar a nossa língua em algo único, como bem concluiu o autor, que justifica a afirmação:
“Isso aponta para um cenário em que o Brasil linguístico que vigorou até meados do século XVIII, no qual as línguas gerais ocupavam um espaço definitivo e se difundiam rumo ao sertão a partir de dois grandes núcleos, Amazônia e entorno de São Paulo, acabou sendo substituído por um espraiamento do português vinculado diretamente ao Nordeste, à lavoura que se servia da mão de obra escrava, aos negros africanos. Nessa situação, fica nítido que eles teriam sido a linha de frente da real lusitanização do território, ao mesmo tempo que iam transformando a língua aprendida numa coisa efetivamente nova, depois levada para outros pontos do país à medida que os ciclos econômicos se sucediam, cada um com seu centro num ponto diferente do território. Se é para pensarmos no português brasileiro como algo que se encontra num caldeirão, é preciso reconhecer quanto o conteúdo desse caldeirão teve que ser mexido e remexido para produzir a nossa atual paisagem linguística. E é preciso reconhecer também que os primeiros e mais importantes desses movimentos foram determinados pela grande massa de falantes africanos que iam carregando e modificando essa língua durante todo o processo. Refundado e recaracterizado por eles. Apesar das adversidades, foi a língua falada por negros e mestiços que dominou o Brasil. Somos um país que fala português como fruto direto da presença negra. Talvez caiba deixar de lado por um momento a bela ideia da ‘última flor do Lácio’. O português brasileiro foi um broto africano, flor de Luanda”.
No que toca à comunicação pela arte, não se pode deixar de assistir a Paisagens, com direção de Ira Sachs e as excelentes interpretações de Franz Rogoeski, Adèle Exarchopoulos e Ben Whishaw, entre outros – além de figurino primoroso, como convém a filme ambientado em Paris.
A obra colhe o zeitgeist (o espírito da época) de forma perfeita.
Embora a crítica nacional não tenha relacionado (tampouco se tem notícia de que a estrangeira o tenha), a película reinterpreta, para 2023, o célebre romance de Alexandre Dumas Filho A dama das camélias, que Giuseppe Verdi imortalizaria na ópera La Traviatta.
Trata-se de verdadeiro arquétipo do amor, em chave de poliamor, como seria de se esperar para o século XXI.
Um Bolero de Ravel, em chave cinematográfica, com final aberto a interpretações e contribuições, pois as obras-primas – como toda criação arquetípica – requerem a participação dos interlocutores para a completude.
São momentos que provam que as trevas nunca resistirão à luz, por mais temor que possam momentaneamente causar.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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