Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Para combater o racismo, professores levam a cientista Jaqueline Goes para a sala de aula

A cientista ficou conhecida nacionalmente em 2020, ao mapear o genoma do novo coranavírus, passo fundamental para a elaboração da vacina contra a Covid

Foto: Arquivo pessoal
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No livro Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil, a pesquisadora Eliane Cavalleiro, uma das maiores referências do País no que diz respeito a esse tema, afirma de forma contundente que, em grande medida, a escola é um espaço no qual a criança negra “é destituída de seus desejos e necessidades específicos: reconhecimento da sua existência e aceitação como indivíduo negro, provimento de alternativas que lhes possibilitem um sonhar com um futuro digno”.

Partindo do pressuposto de que o silêncio e a omissão são ferramentas eficazes para a perpetuação desse quadro de desumanização e de negação de direitos, a teórica acrescenta: “Não se pode deixar que por conta de um silêncio criminoso crianças continuem sofrendo diariamente situações que as empurram e as mantêm em permanente estado de exclusão da vida social”.

Pesquisas recentes confirmam a análise de Eliane Cavalleiro ao constatar que são justamente meninas e meninos negros que mais apresentam a autoestima fragilizada e encontram maiores dificuldades para permanecer e alcançar uma trajetória exitosa nos espaços escolares.

Para fazer frente a tudo isso e construir uma escola comprometida com o reconhecimento e com a valorização da diversidade existente no Brasil, mais de 200 educadores e educadoras da rede pública de Lagoa Santa, município de Minas Gerais, levaram para a sala de aula a história de Jaqueline Goes de Jesus, cientista que ficou conhecida nacionalmente em 2020, ao mapear, juntamente com outros pesquisadores, o genoma do novo coranavírus, passo fundamental para a elaboração da vacina contra a Covid-19.

As práticas pedagógicas realizadas ao longo do mês de setembro foram alicerçadas pela Lei Federal n.º 10.639/03, que há 20 anos tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira nas instituições de ensino. Elas tiveram como objetivo não só apresentar a vida e o trabalho da jovem negra baiana, mas também criar entre as crianças novos referenciais de beleza e novos olhares em relação ao povo negro que, em razão do racismo, permanece amplamente associado à marginalidade e a funções consideradas “indesejáveis”, que ninguém quer exercer, conforme escreveu a educadora afro-americana bell hooks.

Em conversa via WhatsApp, Fernanda Barroso, pedagoga da Escola Municipal Dona Naná, que agora tem o Laboratório de Pesquisa Jaqueline Goes de Jesus, falou sobre a importância de colocar as crianças em contato com a pesquisadora, atualmente Embaixadora da Ciência no Brasil: “A baixa representatividade de mulheres negras na ciência é fruto do racismo estrutural, que muitas vezes se perpetua com a colaboração das escolas. Educação infantil é o momento inicial de inspiração. Porém, as possibilidades de inspiração e representatividade não são para todas e todos, principalmente quando falamos de meninos e meninas negras. Dessa forma, a trajetória de uma pesquisadora como Jaqueline pode inspirar os alunos e as alunas a seguirem na ciência, ocupando espaços”. Entusiasmada, a educadora completa: “Levar a história de Jaqueline Goes de Jesus ao ambiente escolar, sobretudo na educação infantil, é também falar do poder de escolha, do ato de existir e resistir”. 

Para Dulcilene Roque, docente da Escola Municipal Professora Claudomira, que confeccionou para os alunos toucas e aventais como os usados por Jaqueline Goes de Jesus durante o trabalho, a cientista – a quem ela chama de heroína – “trouxe esperança e elevou a autoestima das crianças”. Ao falar da empolgação da turma diante das atividades desenvolvidas, Dulcilene acrescentou: “As crianças cantaram, dançaram e até fizeram poesia! Principalmente as meninas perceberam que um sonho pode se tornar realidade!”. 

Oportunizar às crianças descobrirem quem é Jaqueline Goes de Jesus é parte de uma política pública implementada pela Secretaria Municipal de Educação de Lagoa Santa, com vistas a ofertar aos educadores subsídios e capacitação para o enfrentamento do racismo no contexto escolar, conforme determinam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais.

A medida objetiva ainda contribuir para a construção de um ambiente educativo pautado no reconhecimento mútuo, na alegria de aprender, em que cada criança cresça orgulhosa da sua pertença racial e de sua própria história. É importante ressaltar que, em 2023, uma pesquisa realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra apontou que, infelizmente, 70% dos municípios do País não possuem qualquer programa ou inciativa de promoção da equidade racial nas escolas

O trabalho realizado com primazia pelas professoras e professores de Lagoa Santa nos ensina que a escola precisa ser o lugar do sonho, do encantamento, no qual meninos e meninas possam encontrar espelhos nos quais sua imagem seja refletida de maneira positiva. 

Como educadora e colunista desta revista, registro o meu maior desejo: que as práticas pedagógicas realizadas pelos profissionais da educação do município mineiro, a partir da história da cientista Jaqueline Goes de Jesus, inspirem outros educadores e sejam reproduzidas em escolas de todo o País.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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