Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Pacto da branquitude: um convite à construção de um Brasil alicerçado na equidade racial

Livro de Cida Bento emerge como um chamado para se (re)pensar as relações entre brancos e negros no Brasil, reconhecendo que elas estão profundamente marcadas pela opressão racista

Cida Bento. Foto: Reprodução/instituto cpfl
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Eleita pela revista The Economist como uma das vozes mais influentes do mundo no que diz respeito à promoção da diversidade, em Pacto da branquitude, Maria Aparecida Bento apresenta a questão racial no Brasil sob uma ótica ainda pouco discutida no país: as alianças construídas pelos brancos que são determinantes para a perpetuação do racismo e dos abismos que ele provoca.

Lançada em 2022 pela editora Companhia das Letras, a obra resulta de sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP), em 2002. Mais do que isso, os apontamentos feitos ao longo de 129 páginas partem da experiência de Cida Bento ter sido preterida em processos seletivos ao concorrer a vagas de emprego, mesmo possuindo as atribuições exigidas pelas empresas.

As portas reiteradamente fechadas, que segundo Cida Bento causavam “dor, dúvida em relação à competência profissional e insegurança em relação ao futuro profissional” (p. 11), fizeram com que a fundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) abandonasse a docência e ingressasse no curso de Psicologia com intuito de compreender melhor os mecanismos que dificultavam ou impediam a presença de corpos negros nos postos mais prestigiados de órgãos públicos e empresas privadas do país.

Associada a estudos e pesquisas, a vivência como “recrutadora, chefe de seleção e executiva de RH” permitiu à Cida Bento sentenciar a homogeneidade de gênero e raça que marca os postos de alto comando no Brasil, o que, mesmo com as denúncias do movimento social negro, permanece imperceptível para boa parte dos brasileiros. A autora ressalta: “É fundamental observar também que nos altos postos de empresas, universidades, de poder público, enfim, em todas as esferas sociais, temos, ao que parece, uma cota não explicitada de 100% para brancos. Esses lugares de alta liderança são quase que exclusivamente masculinos e brancos”.

BENTO, Cida. Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

É a partir dessas observações que Cida Bento formula o conceito que dá nome ao livro. A filha de seu João e dona Ruth defende que, embora não haja um acordo assinado e registrado em cartório, silenciosamente foi estabelecido um “pacto de cumplicidade não verbalizado entre pessoas brancas, que visa a manter seus privilégios”, de modo a assegurar também o confinamento de negros e negras nas partes mais baixas da pirâmide social, em permanente condição de subalternidade.

Para elucidar esse modus operandi das relações raciais no Brasil, Cida Bento retorna ao nosso passado escravocrata, que é latente quando se observam dados relativos ao desemprego, aos rendimentos e às funções ocupadas majoritariamente por esse segmento social: o serviço doméstico por parte das mulheres negras, e os setores agrícolas e da construção civil por parte dos homens. A esses grupos têm sido destinadas atividades que exigem pouca escolaridade e trabalhos braçais.

Ao discutir essas questões, a autora lembra que há um silêncio rotundo do lugar dos brancos nesse contexto, principais herdeiros e beneficiários da maneira violenta e cruel com a qual foi erguida a sociedade brasileira. Cida Bento aponta: “Descendentes de escravocratas e descendentes de escravizados lidam com as heranças acumuladas em histórias de muita dor e violência, que se refletem na vida concreta e simbólica das gerações contemporâneas. Fala-se muito na herança da escravidão e nos seus impactos negativos para as populações negras, mas quase nunca se fala na herança escravocrata e nos seus impactos positivos para as pessoas brancas”.

Em Pacto da branquitude, é importante destacar também o fato de a autora estabelecer um diálogo com o cenário político recente do Brasil e episódios de violência contra a população negra que marcaram o país para explicar a perversidade da aliança tecida por brancos para perpetuação da ordem vigente. É importante observar ainda que, embora trate-se de um tema desenvolvido no âmbito acadêmico, seguindo a tradição da antropóloga Lélia Gonzalez, Cida Bento organizou e redigiu o livro de forma que pessoas dos mais variados espaços e segmentos sociais pudessem compreender sua obra.

Pacto da branquitude emerge como um chamado para se (re)pensar as relações entre brancos e negros no Brasil, reconhecendo que elas estão profundamente marcadas pela opressão racista. De acordo com Cida Bento, esse movimento é imprescindível para a construção de um novo pacto civilizatório, alicerçado pelos ideais de justiça, equidade racial e democracia.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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