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Opinião

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Os presídios e o lucro

Entre os riscos envolvidos na privatização de presídios está o retorno do brasileiro pobre, preto e periférico às condições de trabalho análogas à escravidão

Créditos: EBC
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Deve ser recebida como indigna e absurda a realidade que nos força a debater, no Brasil, sob um governo dito progressista, a privatização de presídios. A medida de privatizar presídios como política pública foi definida como “prioridade” pelo nosso vice-presidente, Geraldo Alckmin, quadro histórico da direita no País.

Em decreto assinado em abril deste ano, Alckmin defende tais privatizações como “projetos de investimento considerados como prioritários na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação”.

Talvez valha lembrar àqueles de memória curta que o vice-presidente esteve à frente da gestão do governo do estado de São Paulo durante quase 15 anos, sendo o político que por mais tempo comandou o governo paulista desde a redemocratização do País.

Durante suas gestões no estado não faltaram casos de truculência e violência policial (Pinheirinho), escândalos de corrupção (merenda escolar), má administração (crise hídrica) e associação com figuras asquerosas do cenário político (Ricardo Salles).

Entre os anos de 2011 e 2017, por exemplo, a letalidade policial do estado de São Paulo quase dobrou, segundo os dados a Secretaria de Segurança Pública, fazendo de 2017 o ano com maior número de homicídios cometidos pela polícia, desde que a série histórica computava esses dados.

Não chega a espantar que seu entendimento de progresso inclua, por exemplo, o retorno do brasileiro pobre, preto e periférico às condições de trabalho análogas à escravidão.

Embora possa parecer um recurso didático equacionar a privatização de presídios com a escravidão, sinto em informar que a retórica não é meramente alusiva, mas também denotativa de um cenário distópico que se vai construindo diante dos nossos olhos.

Rios de tinta, anos de pesquisa e as experiências fracassadas de outras privatizações do sistema penitenciário já ergueram a compreensão de que esta “solução” é uma artimanha para ganhos privados em detrimento da esfera pública.

Acredito que dentre os trabalhos mais célebres e canônicos desse campo estejam aqueles produzidos pela abolicionista penal marxista Angela Davis e pela pesquisadora de Harvard e ativista Jackie Wang, respectivamente em Estariam as Prisões Obsoletas? (2003) e Capitalismo Carcerário (2022).

Ambas as autoras dedicaram parte significativa de suas vidas à pesquisa dos sistemas de vigilância e punição nos Estados Unidos e à demonstração de que seu funcionamento é indissociável das demandas e das lógicas de acumulação dentro do capitalismo.

Davis e Wang são enfáticas em defender que o encarceramento em massa de populações jovens, negras e masculinas substitui, de forma perversa, qualquer política pública de reparação para essas populações em países que se valeram de mão de obra escravizada para construir suas economias.

A privatização dos presídios agrava a lógica perversa, uma vez que transfere recursos públicos à iniciativa privada, incentiva a continuidade do encarceramento desses grupos e abre margem para a possibilidade de superexploração de sua mão de obra em trabalhos forçados dentro da prisão.

No Brasil, o fenômeno do encarceramento em massa da população jovem, negra e periférica acentuou-se durante as gestões petistas. O ano de 2014 marca a chegada da população carcerária brasileira à marca de terceira maior do mundo.

Entre 2002 e 2014, por exemplo, o crescimento carcerário foi de mais de 620%, enquanto o populacional foi em torno de 30%, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já o fenômeno da privatização, que não havia se concretizado nos governos do golpista Michel Temer e do fascista Bolsonaro, encontrou na gestão Lula-Alckmin os benefícios para acontecer.

O diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Bruno Shimizu, ainda aponta o leso aos cofres públicos que a privatização representaria. Cada detento chega a custar três vezes mais ao Estado, quando sua vida é gerida pela inciativa privada.

Causa revolta ver a tragédia perversa e anunciada para a qual o governo da frente ampla caminha. Depois haverá quem se surpreenda em ver eclodirem os ovos da serpente. •

Publicado na edição n° 1288 de CartaCapital, em 06 de dezembro de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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