Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

Os intelectuais perfeitos e pomposos e seus textos que ninguém lê

Se continuarmos voltados para o nosso umbigo, sem ocupar os ‘espaços de alienação’, Bolsonaro e sua turma serão eternamente gratos

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Tenho como amigos no Facebook os mais diversos tipos humanos. Excluídos aqueles com tendências fascistoides, pois não deixo que nenhum deles contamine minha vida fora ou nas redes sociais, gosto de ficar perto das mais diversas faunas humanas. Entre estes há personagens muito curiosos, os intelectuais moralmente elevados, que pensam estar muito além do bem e do mal, flutuando numa dimensão superior, levitando sua pureza sobre nós, coitados mortais. Nós na Terra, eles no Céu. Não sei se à direita de Deus ou à esquerda… Vai saber. 

Para estes, quanto mais denso ou mais inacessível o conhecimento acadêmico, melhor. Em vez de português, deveríamos falar por meio de hieróglifos. A universidade deveria produzir conhecimento, mas, se ninguém entender ou a ninguém servir a sabedoria sublime, problema deles, que estudem. Obviamente, para a maioria desses ditos intelectuais, a política é uma atividade sórdida e poluída, tende a sujar as mãos e eles preferem ficar com as mãos limpinhas, sem sujeira de povo por perto.

Alguns dias atrás, soube-se da indicação ao Oscar do documentário Democracia em Vertigem, da diretora Petra Costa. A primeira coisa que senti foi alegria. Na realidade, pouco importa gostar ou não do trabalho da diretora, a questão mais relevante, para mim, é que uma poderosa mensagem antigolpe e anti-Bolsonaro estará presente em Hollywood, a representar nossas vozes. No ano passado, quase 30 milhões de espectadores assistiram à transmissão da grande festa cinematográfica. Além disso, muitos milhões mais ficam sabendo do acontecido durante a noite e nos dias seguintes. Um espetáculo internacional. Um palanque privilegiado. Se Petra Costa ganhasse o Oscar, milhões de olhos e ouvidos estariam atentos à mensagem de Democracia em Vertigem. Um púlpito extraordinário de denúncia.

Sei muito bem que uma denúncia internacional por si só não serve de nada, mas o desconhecimento, a ocultação e a ausência de informação são os melhores aliados dos tiranos. Quanto mais o mundo souber dos desmandos do governo Bolsonaro, mais chances teremos de nos proteger. Obviamente, a luta é nossa, mas qualquer apoio é bem-vindo. Nesse sentido, é importante ter os olhos do mundo sobre nós. Quanto menos o resto do planeta acompanhar os acontecimentos no Brasil, mais desprotegidos estaremos. A pressão internacional é importante, quanto mais melhor, quantos mais lugares de denúncia melhor, e, se estes são diante de milhões de indivíduos, perfeito.

Não se trata de romantizar ou glamourizar o Oscar, sabemos do que se trata – ele não é nada progressista ou emancipador. É capitalismo, lucro, venda, dólar, não somos tão burros nem tão ingênuos. Ainda assim, bem-vindo seja qualquer espaço no qual se possa gritar “Fora Bolsonaro”.

Aí aparecem esses “intelectuais” que orbitam num plano moral superior, longe de nossas misérias, e começam a falar que o Oscar representa a burguesia, a tirania imperialista, o capital malvado e diabólico, e que por isso não deveríamos nos alegrar da presença brasileira na gala. Melhor não participar desses espaços corrompidos, intoxicados. Melhor não estar lá, melhor não ganhar a estatueta, melhor não ter voz. Aparentemente, os 30 milhões de espectadores não são nada, certamente uma denúncia contra Bolsonaro deve alcançar mais gente em um textão de Facebook de um desses intelectuais.

Por este raciocínio, não podemos ocupar espaços de tevê de grande audiência, pois são espaços de alienação. Não podemos ocupar estádios de futebol, por serem espaços de alienação. Não podemos ocupar igrejas, espaços de alienação. Não podemos ocupar escolas de samba, idem. Devemos ficar na nossa bolha, pura, imaculada, impoluta. Como me deixa nervosa esta lógica. Fico nervosa porque vejo o bolsonarismo e quejandos ocuparem espaços na tevê, nas igrejas. Falam, escutam, estão do lado de tantos e tantos, nos lugares de suposta alienação nos quais os “intelectuais” puros dizem que não devemos estar.

Vejo muitas vezes eles se comunicando com a população e nós escrevendo textos intelectualmente perfeitos e pomposos que ninguém lê e que nada comunicam. Este não é um elogio à estupidez, claro, esta inunda Brasília hoje em dia. Necessitamos de capacidade de abstração, pensamento complexo e sofisticado, mas necessitamos escutar, falar e comunicar. Se continuarmos voltados para o nosso umbigo, sem ocupar os “espaços de alienação”, Bolsonaro e sua turma serão eternamente gratos… E vencerão as próximas eleições.

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