Opinião

Os impérios não têm aliados, apenas vassalos

Para nós, brasileiros e brasileiras, não é simples entender o que represente uma invasão estrangeira

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Foto: Brendan Smialowski/AFP
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“A esperança é revolucionária.”
Madre Cristina.

Em belíssima entrevista a Margarida Genevois, feita por Matheus Pichonelli e publicada em CartaCapital, também aprendemos com aquela que esteve em todas as Comissões de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e que hoje já está com 98 anos de idade, que “a esperança é o motor da coragem.”

A primavera nos encontrará em meio aos sentimentos mais variados: como interpretar o que ocorreu no Afeganistão? Como viver o 7 de setembro? Como não permitir que sejam banalizadas mais de 600 mil mortes evitáveis?

Com esperança. Só com ela se pode tentar analisar, entender e mudar a realidade brutal que vivem o mundo e o Brasil, em particular.

No caso afegão, importante entender a derrota do imperialismo, materializada na vitória dos talebans sobre as forças armadas mais numerosas do planeta, aquelas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Após 20 anos de invasão estrangeira, os talebans tomaram o poder em Cabul, praticamente sem oposição. O exército afegão praticamente se dissolveu, mesmo com os trilhões de dólares gastos pela OTAN, nos 20 anos de ocupação.

Para nós, brasileiros e brasileiras, não é simples entender o que represente uma invasão estrangeira. A única que tivemos ocorreu há mais de 500 anos, com a chegada dos portugueses.

Ficam esmaecidas as imagens de violações de mulheres e menores que então ocorreram; os saques às riquezas nacionais – embora Guedes tenha promovido mais e pior atualmente; os assassinatos em massa, comparáveis apenas ao genocídio atual, perpetrado pelos corruptos no poder.

Em termos de relações internacionais, fica patente, mais uma vez, a assertiva: impérios não têm aliados, apenas vassalos (como o Brasil de Bolsonaro), sendo precisamente essa a fragilidade deles: tratam-se de alianças militares que não contam com apoio popular e, por isso, fácil e rapidamente podem ruir.

Quanto aos reflexos sobre o Brasil, importante lembrar que foi o atoleiro das invasões imperiais do Afeganistão, do Iraque e da Síria que mantiveram os pretorianos do Norte entretidos no genocídio etnicida, permitindo que o “quintal” latino-americano pudesse ensaiar voos soberanos.

Derrotados no Oriente Médio, voltaram-se os imperialistas para as ex-colônias, com sanha redobrada, dispostos à recolonização, que lhes permita recuperar os investimentos malogrados e, dessa forma, manter o padrão de acumulação que suas sociedades e oligarquias vassalas demandam, para que a máquina genocida continue a operação espoliadora.

Um exemplo da iniquidade internacional, literalmente vital, entre centro e periferia: os Estados Unidos da América já estão programando a terceira dose da vacinação para setembro, quando a imensa maioria dos países africanos sequer aplicou a primeira na maior parte da população.

Nesse sentido, a derrota imperial no Afeganistão representa, mais uma vez, uma difícil métrica a se impor ao império: como condenar as arbitrariedades dos talebans sem realçar aquelas de Bolsonaro e respectivos pretorianos? Como não relacionar o genocídio indígena e negro no Brasil àqueles perpetrados pelos radicais islâmicos contra minorias étnicas no Oriente Médio? Como esconder que o golpe de estado de 2016 tinha por objetivo principal entregar o petróleo nacional às empresas petroleiras do Norte, como ocorre historicamente no Oriente Médio?

Vale notar que o desfile de 7 de setembro foi cancelado. Faz sentido: por que uma colônia comemoraria a independência? Que sentido faria?

Cumpre observar que o Direito Internacional Público combina mais de uma tradição legal, quais seriam a do direito latino – positivado em legislação escrita – e o direito costumeiro, mais da tradição anglo-saxã, que privilegia a jurisprudência.

Por essa razão, aquele Direito aceita que uma das singularizações da independência de um país e o consequente reconhecimento de sua soberania pela comunidade internacional é justamente a comemoração da data da independência. Sob essa luz, fica evidente a razão do cancelamento da parada.

Em Brasil, concluir a refundação ou prolongar a dependência, Leonardo Boff, cita Celso Furtado, em Brasil, a construção interrompida: “…desafio maior é mudar o curso da civilização, deslocar o seu eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos.”

Boff e Furtado parecem estar falando de uma mudança ética, sobre a qual a política, interna e externa, deveria estar assentada.

Em Wittgenstein !, de Contador Borges, o Professor Arley Moreno, Titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, explica a iminência de Wittgenstein por: “…uma série de escolhas de vida marcadas pela convicção ética…Dai a convicção que acompanhará, então, a ação.”

Borges ainda recorda as palavras do próprio Wittgenstein: “Deve haver uma espécie de recompensa e punição éticas contidas na própria ação.”

Que nosso diálogo com os povos da América Latina, da África e do Oriente Médio possa se fortalecer, pela libertação de todos e por todos: essa a nossa esperança.

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