Opinião

Os 45 anos da Revolução dos Cravos

Graças a essa revolta o colonialismo português desfez-se na África e as lutas heroicas dos irmãos e irmãs africanas finalmente triunfaram

grafite Revolução dos Cravos (Jeanne Menjoulet)
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Grandola, vila morena
Terra da Fraternidade 
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade.
Em cada esquina um amigo, 
Em cada rosto igualdade
Grandola, vila morena,
Terra da Fraternidade.
 
A noite da ditadura brasileira durou 21 anos; a da portuguesa, 44, mais do que o dobro. De 1930 a 1974, os portugueses sofreram censura, tortura, assassinatos. A extrema-direita reproduziria esses horrores nas então colônias africanas Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
No dia 25 de abril, foram comemorados os 45 anos da Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura em Portugal e serviu de alerta, para a brasileira.
Lendo “O Império Derrotado – Revolução e Democracia em Portugal”, de Kenneth Maxwell, horizontes novos daquele maravilhoso movimento libertador abriram-se para mim. Por ser da pátria-mãe, nos dizem respeito, ontem, hoje e sempre.
O autor recorda que: “Aos 25 minutos do dia 25 de abril, José Vasconcelos leu no ar (da rádio católica Renascença) a letra do disco que havia em seu toca-discos. A canção era “Grandula, Vila Morena”, uma cantiga popular de José (Zeca) Afonso, dissidente do Alentejo, celeiro de Portugal e terra dos latifúndios… Esse foi o poético sinal para a revolta… Estava feito. Com rapidez extraordinária, e sem oferecer resistência séria, um regime que governara Portugal desde fins da década de 1920 fora derrubado sem esforço. Em 26 de abril de 1974, uma multidão eufórica saiu às ruas.”
Sempre em tema de pertinência do entendimento daquela revolução, inclusive para algo enxergarmos no atual crepúsculo em Terra de Santa Cruz, cabe a citação de Salazar: “O Exército deve ser honrado e reverenciado como o andaime indispensável à construção do Estado Novo” (1939).
O autor relata que o sucessor de Salazar (o ditador entrou em coma após a queda de uma espreguiçadeira – Deus e Suas escritas…), Marcelo Caetano, em 14 de março de 1974, “exigiu a realização de um ato cerimonial de subserviência da hierarquia militar. Ordenou ao general Spinola, ao general Costa Gomes e a 120 oficiais de alto coturno que se reunissem para jurar lealdade às políticas do governo para a África.”
A resposta dos altivos generais não se fez esperar: “Só nos sistemas de Hitler e Mussolini os políticos pediam aos generais um endosso público de suas políticas.” Ocioso qualquer comentário adicional, à luz de tão oportuna lembrança.
À política externa!
Sobre o retorno ao colonialismo e ao imperialismo no período ditatorial lemos: “Nixon garantira a Franco Nogueira, ministro dos negócios estrangeiros de Portugal, que pretendia retificar erros do passado nas relações dos Estados Unidos com Portugal. Cumpriu a palavra. Em 1970, os EUA iniciaram uma aproximação com Portugal e África do Sul. Aumentaram os recursos do Export-Import Bank destinados às colônias portuguesas, reduziram a ajuda que o governo Kennedy secretamente começara a enviar para a FNLA em Angola e cortaram em Moçambique a ajuda a elementos da FRELIMO considerados pró-ocidentais.”
Em chave de entendimento também do que aconteceria em Dallas – a conhecida “solução americana de conflitos”, o autor registra: “Em campanha, John F. Kennedy falara francamente contra o que restava do colonialismo europeu na África, e em seu programa de governo pusera as políticas para a África entre as prioridades.”
Após a solução americana em Dallas, no fim daquela década de 60 lemos: “Caetano foi a Washington para assistir ao funeral do presidente Eisenhower em março de 1969 e se encontrou com Nixon, que lhe prometeu o apoio americano; depois disso, Nixon ordenou que cessassem todos os contatos com os nacionalistas na África portuguesa.”
Graças à Revolução dos Cravos, o colonialismo português desfez-se na África, permitindo que as lutas heróicas dos irmãos e irmãs africanas, nas ex-colônias portuguesas, pudessem finalmente triunfar, após mares de sangue, sofrimento e traumas, vertidos sobre populações civis inocentes, que apenas defendiam a própria liberdade – brutalmente violada por mais de quatrocentos anos, vale lembrar.
Somos tributários também dessa história de horrores, pois foi graças à mão de obra escrava que o Brasil chegou, sob os governos Lula e Dilma, a ser a sexta economia do mundo (já caiu para a nona).
Infelizmente, na sempre mais martirizada terra de Páscoa, a extrema-direita não se farta de sangue, sequer de símbolos, como as religiões de matriz africana bem sabem, há séculos: a campanha publicitária do Banco do Brasil, público (por enquanto), fundado pelo monarca português D. João VI, acaba de ser censurada e o diretor, exonerado, por apresentar atores e atrizes negros, em um país em que mais da metade da população somos afrodescendentes e todos herdeiros de uma cultura que só é original graças à criatividade africana, do samba ao quindim; da capoeira à feijoada; do saber cuidar ao amor por fazê-lo.

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