Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O tempo passa, o tempo voa

Envelhecer é lembrar de muita coisa, muitas pessoas e sentir uma certa agonia quando alguém não sabe quem é, quem foi

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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Outro dia, eu perguntei pra minha sobrinha se ela conhecia, ou se ela sabia quem era Rita Lee. Ela pensou, pensou, olhou para um lado, pro outro, e soltou essa:

– É aquela velhinha?

Aí eu fiquei pensando que, pra mim, Rita Lee ainda é aquela menina sapeca, mutante, ovelha negra da família, rainha do rock. Cabelos loiros escorridos, um leve toque de sardas no rosto, calça Lee desbotada ou vestida de noiva cantando astronauta libertado/minha vida me ultrapassa/em qualquer coisa que eu faça.

Quando morreu Juca Chaves foi a mesma coisa. Perguntei pra um, pra outro, ninguém sabia mais quem era Juca Chaves.

Pois é. Gente jovem reunida, na parede da memória, esta lembrança é o que dói mais.

Envelhecer é lembrar de muita coisa, muitas pessoas e sentir uma certa agonia quando alguém não sabe quem é, quem foi.

Eu curtia muito Juca Chaves. Me lembro dele desde os tempos em que cantava modinhas: o meu coração caminha/fatigado de emoção/ ao seu coração Verinha/que ao encontro vinha/do meu coração.

Eu me lembro dele desde que cantava meu violão morreu/saudades de alguém e quando ele morreu ninguém chorou/ ninguém. Eu me lembro de Por quem Sonha Ana Maria tocando no rádio: na alameda da poesia/chora rimas ao luar/ madrugada e Ana Maria/sonha sonhos cor do mar.

Depois vieram as sátiras. Presidente Bossa Nova, Caixinha Obrigado, aquela… o Brasil já vai à guerra/comprou porta-aviões, um viva pra Inglaterra de 82 milhões, ai que ladrões.

Se Roberto Carlos cantou Jesus Cristo, ele atacou de Jeová: Jeová, Jeová, olhe também pra mim/eu estou mais pra lá do que pra cá. Se Jorge Bem (que ainda não era Benjor) fez sucesso com País Tropical, Juca veio de Paris Tropical: alô Brasil/alô Simonal/moro e namoro em Paris tropical. Se Paulo Diniz cantou I want to go back to Bahia, Juquinha compôs Hey hey di di/take me back to Piauí.

Eu me lembro quando Juca Chaves comprou um circo, até disso eu me lembro. Eu me lembro da pisada na bola que ele deu, quando compôs Bom dia, seu Arthur, bom dia! pro ditador Costa e Silva. Perdi o contato com o Juca quando fez uma musiquinha elogiando a Lava Jato. Deixa pra lá!

A gente vai ficando velho e é assim mesmo. Lembra de tanta coisa, vai acumulando fatos e pessoas e hoje, mas hoje a história é outra.

Será que minha sobrinha sabe quem foi Geraldo Vandré?

Será que ela sabe que um dia Raimundo Sodré sacudiu o Maracanãzinho cantando a massa da mandioca?

Será que ela sabe quem são Kiko Zambianchi, Arrigo Barnabé, Robertinho de Recife, Dulce Quental, Paula Toller, João Penca e os Miquinhos Amestrados?

E os Engenheiros do Hawaii?

Sim, estou velho. Eu me lembro do Papa Pio XII, da inauguração de Brasília, do bonde Sion, do monoquíni, do Kadett, do Bambam no BBB1…

Outro dia, poucos dias atrás, eu cheguei numa rodinha e disse: O Theo de Barros morreu!

Quem?

O Theo de Barros, o compositor de Disparada! Prepare o seu coração/pras coisas que eu vou contar/ eu venho lá do sertão/ e posso não lhe agradar….

Oi?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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