O campo progressista, por sua vez, encontra-se profundamente atingido. As eleições paulistas elevaram a lógica depreciativa da política a outro patamar. Ataques pessoais, ofensas dignas de pré-escola e crimes de falsificação se tornaram parte central do discurso eleitoral. Contudo, a maioria do eleitorado paulista deu um recado forte nas urnas: desinformação, violência e discurso de ódio não serão aplaudidos. A ascensão e queda vertiginosa de candidaturas como a de Marçal no primeiro turno ilustram exatamente o que não deve ser feito. O “vale-tudo” da política, que se tornou prática comum desde 2018, está sendo finalmente rechaçado pelo eleitorado.
Alguns enxergam o aceno à centro-direita como uma radicalização política, mas é possível analisar que, após anos sufocantes de uma política de violência e degradação, o Brasil — conservador em sua maioria — começa, lentamente, a rejeitar esses discursos. Desde 2018, campanhas baseadas no ódio e em fake news se tornaram ferramentas efetivas, mas, agora, estão levando seus candidatos a explicações no Judiciário. Muitos enfrentam o risco de inelegibilidade, condenados por abuso de poder e, possivelmente, classificados como “fichas sujas”. Para esses, 2024 pode marcar o fim de suas trajetórias políticas. O recado das urnas é claro: tudo tem limite.
O diálogo com as periferias deve ser sincero, profundo e, acima de tudo, enraizado nas experiências de quem mais sofre
As eleições de 2024 em São Paulo chegaram ao segundo turno, como previsto, e o que está em jogo vai muito além da escolha entre Nunes e Boulos. Durante toda a apuração, os números mostraram uma disputa acirrada, refletindo como São Paulo está presa a um cenário político dominado pela desinformação e pelas jogadas de marketing, enquanto debates relevantes ficaram em segundo plano.
Não é surpreendente que Pablo Marçal tenha ganhado notoriedade, não por suas propostas, mas por factoides. O último deles foi a divulgação de um laudo falso atribuindo a Guilherme Boulos um surto psicótico e ter testado positivo para uso de cocaína. O documento foi desmentido por uma perícia, e a Justiça Eleitoral determinou a suspensão de suas redes sociais. O episódio expôs novamente táticas de manipulação e desinformação, moldando o tom da campanha. As redes sociais, transformadas em palco de notícias falsas, tornaram-se ferramentas para candidatos que preferem ataques pessoais a propostas reais.
Ricardo Nunes, por outro lado, se escondeu atrás da máquina pública, sustentado por uma aliança com setores conservadores que não buscam melhorar a cidade, mas preservar o poder. Embora Jair Bolsonaro tenha mantido um apoio tímido a Nunes, a influência do bolsonarismo ainda está presente nas capitais e grandes centros urbanos. Esse apoio reforça as forças conservadoras em São Paulo.
O tom da campanha de Guilherme Boulos é louvável ao defender que o amor vença o ódio, mas pouco coaduna com a realidade periférica do povo paulistano, marcada por filas nas UBS, cemitérios privatizados, falta de transporte, água e escolas. A vida de quem ficou cinco dias sem luz elétrica, enquanto a prefeitura permanecia inerte, não foi fácil nos últimos quatro anos. Assistimos a um verdadeiro metaverso em que o candidato da direita recitava Racionais MC’s. Nesse segundo turno, a esquerda precisa ser mais atenta ao “Nego Drama” e saber dialogar com aqueles que vêm “da ponte pra cá”. Afinal, as atuais eleições nos mostram que não existe “fórmula mágica para a paz”. Com uma proposta progressista e de inclusão social, Boulos enfrenta o desafio de dialogar com a periferia e mobilizar uma população que já não se sente representada integralmente no campo progressista. E como ganhar corações e mentes em conjunturas tão desafiadoras?
Em Belo Horizonte, as eleições também apresentaram um cenário incerto, mostrando o quanto o Brasil precisa da força de seu povo para moldar um futuro democrático.
O desafio agora é resgatar o sentimento de fraternidade e solidariedade do brasileiro. O caminho para superar esse momento está, sem dúvida, localizado na primeira à esquerda. É fundamental resgatar esse sentimento que tanto define o povo. O diálogo com as periferias deve ser sincero, profundo e, acima de tudo, enraizado nas experiências de quem mais sofre com as mazelas sociais. Vale lembrar, especialmente aos que se colocam ao lado do ódio e da degradação da dignidade humana em nome da fé, que Jesus Cristo caminhava entre os marginalizados, pregava a divisão justa dos bens e se revoltou contra o comércio nos templos. O recado é muito evidente: é preciso reordenar a política em torno da defesa radical da dignidade humana, dos direitos sociais e dos valores democráticos.
No campo das candidaturas ao parlamento, vimos um crescimento de figuras negras, indígenas, quilombolas, LGBTQIAPN+, e outras representações populares em todo o país. No entanto, essas novas vozes ainda enfrentam a resistência das velhas forças retrógradas, que insistem em manter as sombras do retrocesso dentro das casas legislativas. O segundo turno será uma luta árdua, uma tarefa morro acima contra a correnteza do conservadorismo.
Por fim, é preciso enfatizar que a eleição municipal é a que mais afeta diretamente o cotidiano do cidadão. Ela molda o asfalto sob nossos pés, o ar que respiramos, o transporte público que usamos. No entanto, paradoxalmente, é a menos valorizada pelos grandes tomadores de decisão, que subestimam seu papel na construção de uma agenda progressista. Fortalecer essa consciência é essencial. Não podemos deixar que as lições deste ciclo eleitoral passem despercebidas.
Agora, mais do que nunca, precisamos fortalecer as linhas democráticas. O futuro da nossa democracia passa pelas urnas municipais, e é nelas que precisamos focar para que o Brasil siga adiante, com inclusão, justiça e respeito para todos. A verdade é simples e incontornável: o futuro da democracia brasileira começa nos municípios. É nelas que podemos — e devemos — construir um país mais justo, inclusivo e solidário. Um Brasil que se recusa a aceitar o ódio e a violência como normas. Um Brasil em que a política é feita pelo povo e para o povo.