Justiça

O que pesquisas sobre vício em pornografia revelam sobre o consumo a médio e longo prazo

O vício em pornografia veio recentemente à tona após declaração da atriz e modelo britânica Cara Delevigne.

Foto: iStock
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Nos últimos dias, vários sites noticiaram a confissão da atriz Cara Delevigne, 30 anos, de ter sido viciada em pornografia. Em um trecho do documentário “Planet Sex with Cara Delevigne”, que estreou no dia 01 de dezembro de 2023 na BBC inglesa, a atriz havia declarado que utilizava filmes pornôs desde muito jovem e que precisava usar brinquedos sexuais para atingir o orgasmo.

O momento é adequado para refletirmos sobre o vício em pornografia, problema que vem sendo acentuado pelas novas tecnologias e está cada vez mais recorrente nos dias de hoje.

A realidade da pornografia se modificou drasticamente nos últimos vinte anos. Com o avanço tecnológico e a evolução da internet discada para a banda larga, a pornografia passou a ser produzida em amplíssima escala e de forma gratuita.

Hoje, de acordo com estudo realizado pela Middlesex University London, a idade média para o início da exposição à pornografia é de 12 anos e basta ter um celular com acesso à internet para acessá-la. A pornografia se encontra, literalmente, na palma das nossas mãos e a um clique de distância.

Desde que a pornografia se tornou legalmente comercializável, na década de 1970, pesquisadores vem investigando os seus impactos na realidade social. Essas pesquisas eram realizadas em laboratórios e desenvolvidas com medição dos sinais vitais (batimentos cardíacos, respiração), do grau de ereção, com comparações entre exames de sangues, preenchimento de questionários, formulários e avaliações clínicas.

Em razão dela ser utilizada de forma associada com a masturbação, os estudiosos começaram a constatar que era potencializada a intromissão mental inconsciente causada em seus consumidores das mensagens e dos valores transmitidos.

Com base nos resultados obtidos, os pesquisadores constataram que os consumidores de pornografia possuem dificuldades em distinguir o sexo pornográfico do sexo real, passaram a associar o sexo com violência, adotar noções não saudáveis sobre sexo e relacionamentos e ter posturas mais sexistas e violentas com relação às mulheres.

Além disso, constataram a existência do efeito da habituação: a excitação sexual que o consumidor tem ao assistir um tipo de pornografia no início diminui ao longo do tempo e faz com que ele precise buscar novos tipos de pornografia.

Mais recentemente, o fenômeno da habituação passou a ser explicado também pela neurociência. O consumo de pornografia afeta o sistema de recompensas cerebrais, tornando-o disfuncional. Ao associar o consumo da pornografia com a masturbação, há liberação de dopamina pelo cérebro, neurotransmissor responsável pela motivação e pelo prazer. Quanto mais dopamina liberada, mais o cérebro se acostuma com esse estímulo e mais dopamina ele requerer para alcançar o mesmo prazer de antes.

Para liberar o nível de dopamina necessário para atingir o prazer sexual, o consumidor de pornografia passa por um processo conhecido como escalada: no início, ele se excita com cenas de sexo convencionais; depois, ele precisa de cenas mais fortes, novos cenários, posições diferentes, mais pessoas e mais violência.

A liberação constante de dopamina impacta também no córtex pré-frontal, área responsável pela inibição dos comportamentos, enfraquecendo-a e fazendo com que o indivíduo tenha menos poder de frear comportamentos prazerosos.

Em 2015, um relatório divulgado pelo Pornhub (Pornhub Insights), os consumidores brasileiros gastam cerca de 8 minutos a cada visita no site e olham cerca de 6 páginas a cada visita. A cada mudança de tela em busca da cena recompensadora, se libera mais dopamina no sistema de recompensas cerebrais do consumidor, acarretando, a médio/longo prazo, na perda de sensibilidade.

Com a alteração da forma de funcionamento do sistema de recompensas cerebrais, o hábito de consumir pornografia acaba gerando comportamentos sexuais disfuncionais.

Se o prazer que o consumidor tinha ao acessar o pornô começa a ser prejudicado, fora das telas a realidade se agrava ainda mais. No sexo real, a liberação de dopamina não ocorre da mesma forma que na pornografia. O sexo pornográfico parece ser tão mais excitante e o consumidor passa a se desinteressar pelo sexo real, pelas pessoas com quem se relaciona e a partir daí se agravam os problemas sexuais e de relacionamento.

Segundo pesquisas clínicas mais recentes, conduzidas pela Fundação Reward, da Escócia, o número de homens abaixo de 40 anos que apresentam disfunções sexuais aumentou de 2% para até 35%. Com o aumento de casos de disfunção erétil, ejaculação precoce e ejaculação retardada na população jovem nos consultórios, os profissionais da saúde começaram a constatar que estes problemas não tinham origem fisiológica. A causa era psicológica e, na maioria esmagadora dos novos casos, era induzida pelo consumo excessivo de pornografia, o que conseguia ser revertido com após a sua abstenção.

Na parte divulgada de seu depoimento, a Cara Delevigne relata os prejuízos que o consumo de pornografia causou à sua sexualidade. A atriz declara ter ficado insensível ao estímulo sexual, ter desenvolvido uma visão distorcida sobre sexo e intimidade e afirma, ainda, que não teria feito sexualmente muitas das coisas nas quais se arrepende senão tivesse assistido pornografia.

O hábito em consumir pornografia, a médio e longo prazo, tem demonstrado causar prejuízos significativos na vida de seus consumidores, piorando o desempenho e a performance sexual. A experiência pessoal de Cara Delevigne com a pornografia não é uma exceção à realidade vivenciada pelos jovens nos dias de hoje e nos desafia a buscar soluções para este novo problema causado pelo uso desenfreado das tecnologias digitais.

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