

Opinião
O que explode no mundo é o silêncio diante da guerra
Em tempos de guerra e silêncio, escolher um lado não é ideologia, é humanidade


Não foi apenas uma missão diplomática. Foi uma retirada. Foi pressa. Foi desvio. Foi fuga pela fronteira da Jordânia. Prefeitos brasileiros que estavam em Israel deixaram o território às pressas após o risco de um ataque iraniano. E o que poderia parecer apenas mais uma imagem de protocolo virou símbolo de algo maior: estamos todos no epicentro.
Quando se foge de uma guerra, não se foge só de bombas. Foge-se da pergunta que nos assombra: o que estamos fazendo ali? E, mais ainda, o que estamos deixando de fazer aqui?
Da Faixa de Gaza ao Vale do Taquari, do Sudão ao Complexo da Maré, as sirenes já não anunciam emergência, elas anunciam permanência. A permanência do colapso. Da omissão. Do autoritarismo travestido de resposta. Da neutralidade que se fantasia de diplomacia.
Vivemos tempos em que os Estados se ajoelham diante do capital bélico, e a vida civil é tratada como custo colateral. Tempos em que a fome não é escândalo, mas estatística. Tempos em que o Brasil, país diverso, mestiço, repleto de florestas e favelas, se vê cada vez mais refém de agendas que não foram escritas por suas mãos, mas cujas consequências estão escancaradas em seus bairros.
A missão brasileira em Israel deveria acender debates, não apagar perguntas. Qual o sentido de enviar comitiva a um território em plena escalada militar? Qual o recado simbólico de estar ao lado de tanques e não de tendas humanitárias? E o mais grave: por que ninguém nos explicou nada?
Mas o silêncio também é política. E a ausência de debate público, neste caso, é conivência.
Quando os prefeitos voltarem, queremos saber: o que viram? O que sentiram? O que entenderam? Porque se voltarem apenas com lembrancinhas diplomáticas, terão perdido a única bagagem que importa: a consciência de que o mundo está em estado de emergência ética.
E o Brasil, esse país de mil vozes e mil ausências, precisa decidir de que lado da história quer ficar. Se ao lado dos que fogem da guerra ou dos que constroem a paz. Se ao lado dos que empunham armas ou dos que carregam esperanças. Se ao lado dos que calam ou dos que gritam.
Que a retirada de agora não seja mais um capítulo apático. Que seja um aviso. Aviso de que o tempo da neutralidade acabou.
E que cada passo de volta dessa viagem traga não só relatos, mas compromissos. Porque por aqui, onde helicóptero também vira bomba, e onde criança aprende a diferença entre fogos e tiros, a paz precisa deixar de ser promessa. E passar a ser prática.
A paz que nos interessa não é a ausência de guerra. É a presença da justiça.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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