Opinião

O primeiro tropeço do governo Lula

Na política externa a expectativa era de céu de brigadeiro

O embaixador Ronaldo Costa Filho, representante do Brasil na ONU. Foto: Reprodução
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“Se você quer dissipar as nuvens de pensamentos, apenas mantenha a mente no presente. As nuvens de pensamentos se agarram apenas ao passado ou ao futuro. Traga a mente para o presente, e seus pensamentos vão repousar.” – Haemin Sunim.

Costuma-se dizer, ironicamente: de onde menos se espera, de lá é que não sai nada mesmo.

Nem sempre é assim, felizmente.

Muitas vezes, a vida nos surpreende, em sentido positivo, mas também negativo – infelizmente.

Os acertos do governo Lula, em tão pouco tempo, têm sido grandes: ir pessoalmente a São Sebastião para coordenar ‘in loco’ a resposta ao desastre socioambiental foi um deles; assim como enfrentar o escândalo dos juros impostos pelo Banco Central, que corroem o orçamento federal, roubando da saúde e da educação precioso dinheiro, drenado para encher as burras – já abarrotadas – dos banqueiros.

Com efeito, quase metade do orçamento federal é sugada, para o pagamento dos altos juros estabelecidos pelo BACEN, uma roubalheira, legalizada.

Não à toa, o atual presidente do Banco é neto do diplomata vende-pátria, homônimo, que, durante a ditadura militar, entregou aos Estados Unidos da América tudo o que pôde de nossas riquezas nacionais. Nesse sentido, como diria minha avó, quem sai aos seus não degenera e nada pode surpreender no comportamento de Bob Fields Neto.

Entretanto, no campo da política externa a expectativa era de céu de brigadeiro: Lula é um diplomata nato e saberia conduzir-nos a bom porto, pois já o fizera.

Pois bem: é de lá que vem o primeiro tropeço governamental.

O voto do embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas, na semana passada, condenando a Rússia de forma unilateral, não apenas jogou o país na vala comum da manipulação midiática internacional, mas também nos retirou qualquer capacidade de envolvimento positivo na resolução do conflito, que poderá levar à aniquilação da humanidade, ainda mais rápida do que aquela à qual o genocida nos conduzia, pela destruição ambiental do país.

A referida resolução da ONU exigiu: “… que a Federação Russa retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia…”

Ora, ao desconhecer qualquer legitimidade no pleito de um dos contendores, é o Brasil que – de plano – se retira qualquer possibilidade de contribuir para a resolução do conflito, na medida em que reconhecer algum grau de legitimidade nos pleitos adversários é condição ‘sine qua non’ para a mediação de qualquer embate.

Nesse sentido, a diplomacia brasileira isola-se até daquela do Vaticano, que admite que a guerra também resulta da política belicista da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Vale recordar que a ocupação da Rússia do território da Crimeia ocorreu após o golpe de estado patrocinado pelo Ocidente, em 2014, como aqui ocorreria em 2016, retirando um governante filorusso e colocando no lugar um belicista, filofascista.

Desde então, a população russa no Donbass ucraniano passou a ser alvo de verdadeira limpeza étnica por parte do governo filonazista, não tendo o Ocidente movido uma palha para conter o genocídio, embora a isso se houvesse comprometido pelos Acordos de Minsk, que se revelaram verdadeiro embuste promovido pelas potências garantes, França e Alemanha, historicamente derrotadas em suas tentativas de vencer a Rússia e, aparentemente, com isso jamais conformadas.

Então, cabe a pergunta: como pôde uma estrutura tão cara quanto o Itamaraty entregar tão pouco em assunto tão importante?

Como puderam diplomatas, supostamente cultos, não terem percebido a armadilha, a ela conduzindo todo um país? Não depende o agronegócio, de forma visceral, das importações de fertilizantes da Rússia?

Cabe notar que qualquer estudioso de relações internacionais, ou toda pessoa de boa fé que queira resolver um conflito, tem presente que alinhar-se acriticamente com um dos lados deslegitima a capacidade de mediar, fechando-se as portas da sala de negociação e trancando-se os portões da paz.

Então, como chegamos a erro tão crasso da diplomacia nacional?

Seria porque ainda não se trocou ainda o embaixador na ONU, que continua sendo o mesmo que representara o genocida?

Seria que para o Chanceler não há diferença entre um governante e outro?

A assessoria especial do presidente não conta com mais de um diplomata, todos com ótimos e altos currículos e salários? Nada viram? Nada fizeram? Desconhecem que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, estabelece que o embaixador representa o chefe de estado?

Convém aduzir que um embaixador na ONU tem salário equivalente a 100 mil reais, mais magnífica residência paga por nós, empregados, carros de luxo e motoristas.

Vale a pena todo esse aparato para um vexame dessas proporções, quando 33 milhões de pessoas passam fome no país, sem falar nas desabrigadas e nas deterritorializadas pela exploração econômica, inclusive escravizadas como vimos recentemente na Serra Gaúcha?

A resposta só pode ser uma, por ser óbvia: não, não vale a pena.

Incorrer em erro que teria sido identificado por um padre, um pastor, um policial ou qualquer pessoa afeita à resolução de conflitos claramente deslegitima toda uma estrutura de estado, dando argumentos fundados à direita, sempre pronta ao desmonte do aparato estatal.

Se o erro não pode mais ser reparado, ao menos que os responsáveis se desculpem perante a nação, pois, infelizmente, o equívoco envolveu o nome e o destino destas 220 milhões de pessoas, que diariamente são obrigadas a resolver conflitos com mais sabedoria.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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