Alberto Villas

[email protected]

Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O plástico tomou conta de tudo e está embrulhando o planeta

Que 2020 seja um ano melhor e menos plastificado – o meu será

Folha de S.Paulo (Foto: Alberto Villas)
Apoie Siga-nos no

Quando ganhei os primeiros carrinhos de plástico, presente da minha madrinha rica, o meu pai olhou horrorizado para aquela pequena coleção colorida enfileirada no tapete da sala e comentou que o mundo estava mesmo perdido, que no tempo dele os carrinhos eram de madeira, fabricados por ele próprio, cujas rodinhas eram tampinhas de cerveja Caracu.

Quase nada no mundo era de plástico. O cabo de vassoura era de madeira, a embalagem do Toddy era de vidro, a bacia de lavar roupa era de alumínio.

A carteira de identidade era forrada de couro, o painel da Rural Willys era de ferro e a capa do disco do Ray Conniff era de papelão. Ainda não havia tupperware, o pet de Coca-Cola e os saquinhos das Casas da Banha eram de papel pardo com a ilustração de três porquinhos dançando.

Eu gostava dos meus carrinhos, construía para eles estradas com toquinhos de madeira do Pequeno Arquiteto pela casa inteira. Já tinha uns cinquenta carrinhos quando ganhei, da mesma madrinha, um postinho da Shell, de plástico. O meu pai quase surtou. Contou que no hotel do pai dele, em Cataguases, havia um postinho parecido com o meu, só que era da Texaco e de madeira.

Minha mãe entrou na conversa e comentou que o mundo no futuro seria todo de plástico, mas só lá pelo ano dois mil. Ela costumava fazer previsões com frequência. Um dia, depois de ler um livro do Haroldo de Campos, ela veio com uma conversa de que em dois mil e pouco, a gente ia ver mulher fumando na rua, dirigindo carro, bebendo cerveja numa mesa de bar e chamando homem de gostoso.

Isso faz muito tempo, quando as armações dos óculos eram de tartaruga, o porta-gelos da Frigidaire era de alumínio e o iogurte Itambé vinha num vidrinho.

Quando os meus pais se foram, o estojo e a régua eram de madeira, a lancheira era de couro, as carteiras de compensado e a lousa era de peroba.

O plástico tomou conta do mundo. A embalagem do detergente é de plástico, do sabão em pó, do amaciante, do pote de sorvete, da polpa pra congelar, do requeijão, do Yakult, do Ovomaltine, tudo é de plástico.

Sou do tempo em que até o chá mate Leão vinha num caixinha de madeira.

Sei que o excesso de plástico foi debatido recentemente na Cop 25, o problema saiu na capa da National Geographic, da Nature e da New Scientist. É um problemão que o homem inventou e que, aos poucos, está acabando com o mundo.

Saio chocado do supermercado quando trombo com um carrinho transbordando de saquinhos de plástico. O Pinho Sol de plástico está dentro de um saquinho de plástico. A garrafa de plástico do Xandô está dento de um saco de plástico. O saquinho de arroz, de feijão, de farinha de mandioca, de lentilha, de canjiquinha, de açúcar, todos de plástico, dentro de sacos plásticos.

Toda manhã quando acordo, vou pegar a Folha de S.Paulo jogada no capacho. Abro a porta e lá está ela, dentro de um saco plástico. Resolvi ligar pra Folha e contar que sou o inimigo numero 1 do plástico e que não queria mais receber o meu jornal dentro de um saco de plástico.

– Somos obrigados a colocar o jornal no saco plástico por causa da chuva, senhor. Muitos jornais são deixados em casas, no jardim, ao ar livre, por isso são protegidos pelo plástico.

Foi então que fiz uma promessa. Em 2020, vou guardar os 365 plásticos da Folha e no fim do ano vou lá na Barão de Limeira devolver para serem reutilizados. Mas não vou ligar antes porque sei que uma voz parecendo mecânica vai dizer:

– Infelizmente não temos um departamento aqui para receber tantos sacos plásticos. Alguma outra informação que posso lhe ajudar, senhor?


*O cronista sai de férias porque ninguém é de ferro. Mas volta na sexta-feira, dia 10 de janeiro, renovado. Feliz ano novo para todos os leitores.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo