Opinião

O planeta busca uma nova ordem mundial

Não chega a ser uma páscoa diplomática, mas não deixa de ser uma cena em movimento, em saída do inferno

Míssel disparado pelo líder da Coreia do Norte no Mar do Japão em 23 de dezembro de 2022 — Foto: AFP
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O jornal que transportava presos políticos nas caminhonetes durante a ditadura militar (para serem torturados e mortos) fez mais uma das suas: estampou manchete dizendo que 35% da população é favorável às privatizações, ao invés de informar a verdade – que 45%, a maioria, portanto, é contrária à liquidação dos bens públicos.

A enésima manipulação ocorre na mesma semana em que a Organização das Nações Unidas registra que, no Líbano, de cada 5 libaneses, 4 vivem na pobreza.

Os donos da Folha de S.Paulo já foram até o País dos Cedros? Seus repórteres já foram a uma das nações com Estado mais mínimo? Por que não vão em “alegre” excursão até lá? Alternativamente, que visitem o Haiti, mais próximo e ainda mais vitimado por pseudojornalistas, pseudopolíticos e pseudo-honestos. Todos, em ambos os casos e na maioria das redações nacionais, mitômanos, embora sejam, antes de mais nada, ignorantes.

Vale aduzir que, sempre segundo a ONU, a moeda libanesa perdeu 98% do valor, desde 2019. Afortunadamente, não só de más notícias vive o Oriente Médio: Síria e Egito estão mais próximos do reatamento diplomático, após o chanceler sírio ser recebido no Cairo, na semana passada.

Também da martirizada Síria vem notícia auspiciosa: segundo o arcebispo maronita de Aleppo, Dom Tobji, a liberdade de culto para os católicos e demais confissões está garantida nas áreas sob controle do governo (a quase totalidade do país). Vale recordar que é graças ao apoio russo e iraniano que o governo sírio pode recuperar os territórios que foram invadidos e barbarizados pelas milícias, assassinas de cristãos e outras confissões que não a própria. Ou seja, são cristãos ortodoxos (russos) e muçulmanos (iranianos) que garantem a liberdade de culto aos católicos na Síria.

Da Rússia, apesar da guerra na Ucrânia, vem outra notícia importante: o governo russo está propondo ao governo estadunidense a troca de Julian Assange – injustamente preso no Reino Unido a pedido dos Estados Unidos da América – por espião dos EUA, recentemente acusado de espionagem militar e detido pelo governo russo, Evan Gerskovich.

Na semana passada, a imprensa internacional noticiou que durante a estada de Assange na embaixada do Equador em Londres uma empresa espanhola, a serviço da Central de Inteligência dos EUA, instalou equipamentos de escuta na embaixada, abortando a liberação de Assange em viagem que faria ao Equador.

A violação da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas é gravíssima, mas não esperem qualquer indignação por parte do jornal das caminhonetes ou dos coirmãos…

Ainda sobre a Rússia, o Banco Mundial alterou de 3,3% a possível contração da economia russa para 0,2%.

Na Ásia, notícias alvissareiras e nem tanto. EUA, Japão e Coreia do Sul decidiram, conjuntamente, expulsar todos os cidadãos da Coreia do Norte de seus territórios, em retaliação à continuação do programa de mísseis balísticos da República Popular da Coreia. Por muito menos, a Nicarágua foi tachada de ditadura: retirou a cidadania de 200 pessoas acusadas de rebelião armada contra o estado de Direito.

O referido jornal das caminhonetes qualifica a Nicarágua de ditadura, mas como classificará a decisão incrivelmente arbitrária dos três países acima citados? Provavelmente não o fará, talvez sequer dê a notícia…

Da Índia, outro dado inquietante: a maior causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos é o suicídio. Um quarto deles são de jovens sem-terra. Aqui como lá, o acesso à terra continua sendo fundamental para a justiça social.

No Brasil, boa notícia: a investigação anunciada pelo ministro Flávio Dino, da Justiça, sobre células nazistas no país. Tardou um século, literalmente, mas chegou a tempo de prevenir que novas chacinas como a ocorrida em Blumenau se repitam.

A imagem das cloacas, dos esgotos, ajuda a entender: é através desses canais subterrâneos, que remontam ao surgimento do nazismo nos anos 20 do século, que a “deep web”, por onde correm os detritos mortais dos potenciais assassinos, corre; é dessa rede de mentes empapadas de frustrações, ressentimentos e preconceitos que os dementes haurem.

O bolsonarismo difundiu na sociedade, diuturnamente, o ódio, o desejo de morte e o menosprezo pela saúde mental (sendo o próprio mentor um desequilibrado que teve de ser reformado pelo Exército por apresentar o conjunto daquelas patologias).

Por fim, vale registrar a viagem do presidente Emanuel Macron, da França, à nova sede do poder mundial: a China.

Simbolicamente, o presidente de uma potência nuclear que praticamente fechou o Congresso de seu país para passar reforma previdenciária que permitirá ainda maior concentração de renda em favor dos capitalistas do país dele (e não apenas), aumentando a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos, precisou da chancela de uma alemã para se sentir à altura do interlocutor chinês.

Com efeito, Macron levou a tiracolo a Pequim a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, em claro sinal da fragilidade de uma Europa cada vez mais submetida a uma potência militar decadente, os EUA, que poderá levá-la ao ocaso; e, por sua vez, da dependência francesa com relação à Alemanha, que, de fato, tem a hegemonia da União Europeia.

No conjunto, parece que apontamos para o renascimento de um planeta que busca nova ordem mundial, como o chanceler russo assinalou em recente visita ao homólogo turco. Não chega a ser uma páscoa diplomática, mas não deixa de ser uma cena em movimento, em saída do inferno.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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