Opinião

O pensamento único das oligarquias latino-americanas se realiza no Haiti

A aliança entre os impérios, as oligarquias – civis e militares – e os meios de comunicação dando seus frutos finais

CHANDAN KHANNA / AFP CHANDAN KHANNA / AFP
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“O Haiti é aqui”.
Caetano Veloso.

Nesta semana, o Haiti praticamente deixará de existir: o combustível para abastecer as usinas termelétricas não consegue mais chegar ao destino, interceptado por gangues. As divisões políticas do país – províncias, municípios – foram privatizadas na prática: assumiram-nas as milícias.

Com isso, cessa o funcionamento dos hospitais (centenas de mortos); suspende-se o fornecimento de água (cujo litro já é mais caro do que o de Coca-Cola); e serão interrompidas as comunicações (dentro e com o exterior da ilha). Os gêneros de primeira necessidade tampouco poderão ser transportados, sendo previsível o aprofundamento do quadro de fome, de total catástrofe humanitária.

Os sequestros de pessoas são feitos à luz do dia, em regiões centrais da capital, com pedidos de resgate que chegam a 1 milhão de dólares, por pessoa.

Os racionamentos de luz são a norma diária; o governo perdeu controle sobre os grupos milicianos que aterrorizam a população e o comércio.

Ora, o Haiti é o estado mais mínimo que se conhece sobre a terra.

Portanto, cabe a pergunta: os defensores do estado mínimo no Brasil estão de malas prontas para lá, a fim de conhecer in loco o resultado das políticas que defendem? Alguma vez já foram?

Não percam a oportunidade, Rede Globo e demais 6 famílias proprietárias da maioria dos media no Brasil!

Antevejo o convescote, liderado pelo general Heleno, que de lá tanto sabe, pois lá residira.

A brava imprensa certamente estará munida com tanques (até aquele enfumaçado do Planalto pode servir), coletes à prova de balas e capacetes!

Já vejo o grupo iluminado, avançando pela ilha, ofuscando a pobre gente com o brilho das inúmeras medalhas, ganhas pelo general/marechal em um sem número de batalhas!

Sim, avançam os nossos tanques (e é bom que avancem rápido porque aqui também aceleram as privatizações e o genocida já avisou que a Petrobras será a próxima vítima, correndo o risco de os tanques secarem – as sinecuras dos seis mil milicos, ao contrário, só se ampliam).

Posso ver o dia de glória da Jovem Klan, transmitindo direto de Porto Príncipe o fim do estado! Balas zunem, os estrondos fortes, choro e ranger de dentes dos que um dia viram a ilha ser a primeira a libertar os escravos, trazidos novamente à moderna (sic) escravidão, pelo neocolonialismo, tão ardorosamente defendido nestas plagas, pelo bloco oligárquico-golpista.

Uma escola fechada! Um hospital abandonado! Lojas saqueadas, na busca por comida e água! Que resultados geraram o neoliberalismo e o neocolonialismo!

Rio das Pedras é aqui! Gangues atirando e barbarizando por todos os lados!

Até o presidente da República foi assassinado, dentro do palácio, por um comando estrangeiro (composto por cidadãos do país que mais vezes invadiu a ilha).

O pensamento único das oligarquias latino-americanas se realizando! Ao vivo e em cores! A aliança entre os impérios, as oligarquias – civis e militares – e os meios de comunicação dando seus frutos finais! A barbárie tão desejada por eles realizando-se em plenitude! Quantos lucros mais virão da chacina!

Aprendizes são os que cobram pedágio sobre as vacinas! Será possível cobrá-lo sobre a água, a luz, os telefones, a comida, a vida! Aos lucros, irmãozinhos Bonner, Leitão, Cantanhede, Sardenberg etc!

Le jour de gloire est arrivé!

Mas são amadores, esses haitianos, perto da organização miliciana local! Aqui, o genocida está blindado e a cada ameaça de impeachment, ele recorre à queima do patrimônio público, para safar a si, aos seus e ao bloco oligárquico que o sustenta.

No Rio, até consulados são ameaçados (da China) e invadidos (de Portugal).

Os aumentos nos preços dos combustíveis permitiram não apenas maiores lucros para os sócios internacionais, mas também indispor a empresa com os consumidores e, assim, facilitar a privatização.

A propósito, Leonardo Boff nos recorda, em Brasil – concluir a refundação ou prolongar a dependência? : “São as classes ociosas e desfrutadoras que nunca trabalharam e viveram sempre dos privilégios e da exploração. Para elas, o trabalho é tortura (o sentido originário de trabalho: três palium = chicote feito de três paus), coisa para gente pobre, negra, escrava e para o gado…Há a cultura de mimetismo: ao invés de criação existe imitação servil e adaptação subtropical da cultura dos outros. Não pensamos com nossa própria cabeça, mas com a cabeça dos outros…Tanto a cultura da dominação quanto a do mimetismo são hegemônicas nos setores dominantes da sociedade. Eles dominam o espaço público da comunicação e conseguem se introjetar na cultura popular.”

Na mesma obra, Boff lembra: “Karl Polanyi demonstrou em seu livro A grande transformação (1944), que ’em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico’. Então ocorreu o que ele chamou de ‘a grande transformação: de uma economia de mercado se passou para uma sociedade de mercado. Em consequência, nasceu um novo sistema social, nunca antes havido, no qual a sociedade não existe, mas apenas os indivíduos competindo entre si; coisa que Reagan e Thatcher repetiram à saciedade.”

Uma boa explicação pela apatia da sociedade brasileira ao genocídio: ela, como tal, deixou de existir.

Por isso, no centro da COP-26, da ONU, que se inaugurou em Glasgow, deveria estar o Haiti, pois, como alerta o Papa Francisco, não há meio ambiente sem sociedade, nem o contrário.

Na conferência, da qual o Brasil fora herói, na 8a edição, em Curitiba, impedindo o cultivo de plantas esterelizadoras a céu aberto – que poderiam tornar estéril a natureza – na atual 26a edição, na Escócia, tocará ao país ser o violão. Por isso, o genocida, covarde como todos eles são, não irá, ao contrário de mais de cem chefes de estado.

Que a 27a edição assista ao ressurgimento do Haiti – e do Brasil também.

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