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Jovenel Moise, presidente do Haiti, é assassinado

A esposa do presidente também foi ferida no ataque e hospitalizada

Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP
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O presidente do Haiti, Jovenel Moise, foi assassinado, juntamente com sua esposa na manhã desta quarta-feira 7 em um ataque armado em sua casa – anunciou o primeiro-ministro em final de mandato, Claude Joseph. A esposa, que chegou a ser socorrida, morreu momentos depois em um hospital.

 

O premiê disse que agora está no comando do país e pediu à população que mantenha a calma, insistindo em que a polícia e o Exército vão garantir a segurança.

“O presidente foi assassinado em sua casa por estrangeiros que falavam inglês e espanhol”, relatou Joseph.

Moise governava o Haiti, o país mais pobre das Américas, por decreto, após o adiamento das eleições legislativas de 2018 por uma crise política, inclusive sobre o término de seu mandato.

Além da crise política, os sequestros por resgate aumentaram nos últimos meses, refletindo ainda mais a crescente influência de gangues armadas neste país caribenho.

O Haiti também enfrenta pobreza crônica e desastres naturais recorrentes.

Acusado de inação diante da crise, o presidente era visto com forte desconfiança por grande parte da população civil.

Na segunda-feira (5), ele nomeou o médico Ariel Henry como primeiro-ministro – o sétimo a ocupar o cargo em quatro anos.

Além das eleições presidenciais, legislativas e locais, o Haiti deve realizar um referendo constitucional em setembro próximo. Esta consulta foi duas vezes adiada, devido à pandemia do coronavírus.

Apoiada por Moise com o objetivo de fortalecer o Poder Executivo, a reforma constitucional foi rejeitada pela maioria da oposição e por muitas organizações da sociedade civil.

A atual Carta Magna foi redigida em 1987, após a queda da ditadura de Duvalier, e declara que “qualquer consulta popular destinada a modificar a Constituição por referendo é formalmente proibida”.

Os críticos também afirmam que é impossível organizar uma consulta, diante do estado de insegurança no país.

Nesse contexto, com temores crescentes de uma anarquia generalizada, o Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos e a Europa consideraram a realização de eleições legislativas e presidenciais livres e transparentes como uma prioridade até o final de 2021.

Henry, de 71 anos, fez parte da resposta ao coronavírus e ocupou cargos no governo em 2015 e 2016 como ministro do Interior e, depois, como ministro dos Assuntos Sociais e do Trabalho.

Também foi membro do gabinete do ministro da Saúde de junho de 2006 a setembro de 2008, antes de se tornar chefe de gabinete. Ocupou este ocupou entre setembro de 2008 e outubro de 2011.

Moise encarregou Henry de “formar um governo de base ampla” para “resolver o problema flagrante da insegurança” e trabalhar para “a realização de eleições gerais e do referendo”.

Henry é próximo da oposição, mas sua nomeação não foi bem recebida pela maioria destes partidos, que continuaram a exigir a renúncia do presidente.

Quem era Jovenel Moise

Moise entrou no cenário político em 2015 e poucos meses depois foi eleito para governar o país, após um processo eleitoral acidentado e longo.

Muito isolado nos últimos meses, com um Parlamento suspenso e governando por decreto, ele encerrou tragicamente seu mandato aos 53 anos, ao ser assassinado em sua casa por um comando.

Pai de dois filhos, foi incapaz de deter a espiral descendente do país, o mais pobre do continente americano, mas em particular a violência que assola seus habitantes, principalmente das gangues na capital Porto Príncipe.

De origem modesta, seu pai era mecânico e agricultor e sua mãe costureira e comerciante. Ele nasceu em 26 de junho de 1968 em Trou du Nord (nordeste) e mudou-se em 1974 com sua família para Porto Príncipe, onde estudou na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade Haitiana Quisqueya.

Em 1996, já casado com Martine Etienne Joseph, voltou à sua região de origem com um sonho: fazer do Haiti um país “essencialmente agrícola” a partir do desenvolvimento do interior.

Segundo a biografia disponível em seu site, ele criou então, com fundos de capital privado, uma empresa de autopeças ao mesmo tempo em que instalava em um campo uma primeira plantação de banana de 10 hectares.

Sua plantação de banana orgânica é a maior do país (quase 1.000 hectares). Dali saiu o apelido cunhado após sua entrada na corrida presidencial: “Nèg Bannan nan”, “o homem da banana”, em língua crioula.

Sensibilizado com a importância da água potável neste país castigado, fez parceria com a empresa especializada Culligan e em 2001 abriu uma unidade de distribuição nas províncias do nordeste e do noroeste. A partir daí se interessou pela eletrificação regional e criou em 2008 junto com diversos sócios uma empresa neste setor.

Em 2012, inaugurou a primeira zona franca agrícola do Haiti e estabeleceu sua empresa Agritrans, para a qual obteve um empréstimo participativo de US $ 6 milhões do governo daquele que seria seu antecessor, Michel Martelly.

De acordo com o site do Moise, esse mecanismo possibilitou o desenvolvimento de dezenas de projetos agrícolas e “a geração de cerca de 3.000 empregos diretos e 10.000 indiretos”.

Isolado

A sua entrada na política também é atribuída a Martelly, que, impedido de concorrer a um segundo mandato, o escolheu em 2015 para representar o seu partido, o Tet Kale (PHTK), garantindo assim a sua sucessão.

Começou então uma intensa campanha eleitoral – especialmente nas redes sociais ainda subestimadas pela classe política tradicional – financiada por grandes industriais e membros da elite econômica, a mesma minoria rica que cercava Martelly.

Uma vez eleito, Jovenel Moïse prometeu acabar com a corrupção galopante. Mas em pouco tempo, alguns de seus próprios colaboradores foram acusados de desvio de verbas públicas.

Ano após ano, as investigações parlamentares, de algumas ONGs ou do Tribunal de Contas, confirmaram que a corrupção reina nas instituições haitianas, apesar das constantes mudanças de ministros e altos funcionários.

Como grande parte da classe política que atuou antes dele, Moise teve dificuldade em explicar o destino do dinheiro obtido com o programa Petrocaribe, lançado pelo falecido presidente venezuelano Hugo Chávez para permitir aos países caribenhos comprar petróleo barato.

Jovenel Moïse nomeou sete primeiros-ministros em quatro anos e não conseguiu concretizar uma importante reforma constitucional que buscava, o que gerou críticas até mesmo em seu próprio campo.

O trágico fim de seu mandato foi precedido por outra amarga polêmica, decorrente de sua determinação de permanecer no cargo até 7 de fevereiro de 2022, enquanto que para a oposição e parte da sociedade civil seu mandato terminou em 7 de fevereiro de 2021.

A divergência se deveu ao fato de ter sido eleito em uma votação anulada por fraude e reeleito um ano depois.

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