Yasmin Morais

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Escritora, jornalista em formação pela Universidade Federal da Bahia com mobilidade acadêmica na Université Toulouse 2 Jean Jaurès, integrante do Centro de Estudo e Pesquisa em Análise do Discurso e Mídia (CEPAD) da UFBA e fundadora do projeto Vulva Negra.

Opinião

O novo mercado da fé está nos afetos

O que o comportamento político de Nikolas Ferreira tem em comum com as novas estratégias de ascensão da extrema-direita evangélica

O deputado federal Nikolas Ferreira. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
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Política significa influência”.

Esta frase não foi encontrada por mim em um livro de sociologia ou tampouco de filosofia, mas sim numa pregação evangélica do então deputado Nikolas Ferreira (PL) na Oitava Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, disponível no YouTube. Nesse discurso, Nikolas traz aspectos caros dos estudos políticos ao púlpito de uma instituição religiosa, com direito a slides com pinturas, citações a Aristóteles e um apelo à vida intelectual dos interlocutores. Julgado como um mero palhaço ignorante, ele destila um nível de oratória invejável e se faz compreender através do objetivo implícito em sua fala: ensinar outros cristãos a “influenciar” tanto quanto ele os contextos nos quais estão inseridos.

Nikolas Ferreira, o produto de uma geração ultraconservadora e herdeiro discursivo do bolsonarismo, enche de medo os corações daqueles que já atentaram os seus olhos ao novo jogo ideológico da extrema-direita. O deputado mais votado do país não conquistou seus votos e seguidores apenas com discursos virtuais e frases de efeito no Instagram, mas sim com uma estratégia diferente, aprimorada nos púlpitos das Igrejas de elite no sul e sudeste. 

Porém, antes de nos aprofundarmos, precisamos compreender a hierarquia do ecossistema fundamentalista religioso cristão. Segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha no ano de 2020, o maior contingente de pessoas autodeclaradas evangélicas no Brasil é de mulheres negras. No ramo  neopentecostal, a porcentagem de mulheres pode chegar a 69%. A maior incidência de mulheres na religião, contudo, não significa que elas ocupem a maioria dos cargos de liderança, tampouco que há uma perspectiva ideológica que as beneficie enquanto classe. 

Mas o, apesar do preconceito que associa os  evangélicos à figura estereotipada dos pobres, nordestinos ou de origem periférica, há uma gama de igrejas de elite, frequentadas por pessoas do alto escalão social, como aquelas onde Nikolas Ferreira realiza suas pregações de teor político.

Para compreender a ascensão do discurso ultradireitista nas igrejas evangélicas, é preciso estudar as profundas desigualdades sociais  que atiram os mais necessitados aos braços da religião. Há, dentro da seara evangélica, denominações bem posicionadas , que oferecem aos indivíduos acesso a letramento político. Já as mulheres negras e pessoas periféricas que comungam da mesma religião são vistas como “rebanho”, que seguirão as instruções daqueles que aprenderam a convencer pessoas é popularizar suas ideias. 

Neste novo mercado da fé, a popularidade digital e a construção de uma persona viril é essencial para o sucesso, assim como discursos que visem o estardalhaço – como fez Nikolas Ferreira ao se autodeclarar uma deputada trans no plenário do Congresso, vestindo uma peruca desajeitada, a fim de monopolizar os espaços de fala a partir da polêmica, do chulo e do vexatório.

Ao se desviar dos problemas estruturais e das reais incumbências de um deputado, Nikolas traz o discurso para um âmbito no qual a extrema-direita quase sempre vencer: o pânico moral. Tudo que possa ser acusados de “promover a destruição da família” será mais importante, por exemplo, do que a inflação ou a falta de atendimento médico e saneamento básico. 

O novo mercado da fé é o mercado dos afetos, dos afetados. Nikolas Ferreira sabe disso, afinal, em suas próprias palavras “política significa influência”.

Enquanto não aprendermos a lidar com os afetos da população e focarmos em uma militância meramente racional, poucos avanços faremos. É preciso competir discursivamente através do afeto, estar no cotidiano, estabelecer diálogos. Sem isso, estaremos alimentando monstros que depois nos devorarão.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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