Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

O novo ciclo da esquerda e o redesenho da disputa em 2026

A popularidade de Lula se recuperou, assim como suas intenções de voto. A manutenção de uma estratégia de mobilização será decisiva

O novo ciclo da esquerda e o redesenho da disputa em 2026
O novo ciclo da esquerda e o redesenho da disputa em 2026
Brasília (DF), 07/09/2025 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa do desfile do Dia da Independência. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A um ano da eleição, já é possível vislumbrar o cenário que envolve os três principais campos da política brasileira: a esquerda, unificada em torno de Lula; a extrema-direita, organizada sob a liderança de Bolsonaro; e a direita tradicional, dividida em diversos partidos. e que, a depender do contexto local, se alia ora a Lula, ora a Bolsonaro.

Ao longo de outubro, o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) publicará uma série de análises sobre esses três campos, com base na metodologia de monitoramento eleitoral.

Vinculado à UFRJ e à UFRRJ, o OPEL acompanha desde 2020 o comportamento das forças políticas durante os períodos eleitorais, cobrindo todos os estados nas eleições nacionais e as capitais nas municipais. O monitoramento também inclui eixos temáticos, como candidaturas antirracistas, feministas e evangélicas, entre outros temas relevantes para a compreensão da democracia brasileira.

A metodologia do OPEL consiste em observar as movimentações dos campos políticos, partidos e possíveis candidatos já no chamado período de pré-campanha, quando o quadro eleitoral começa a tomar forma. Isso envolve a análise da agenda de governantes e líderes, o acompanhamento de suas redes sociais e a leitura sistemática do noticiário político.

A série sobre o cenário de 2026 começa pela esquerda. E é inegável que esse campo político se fortaleceu nos últimos meses. Até maio e junho de 2025, Lula enfrentava um governo pressionado por uma aliança entre a extrema-direita e setores da direita tradicional no Congresso, além de uma articulação social que envolvia segmentos do mercado financeiro e do agronegócio.

O objetivo desse bloco era limitar a capacidade do governo de implementar o programa vitorioso nas urnas em 2022. Impedir Lula de entregar resultados significava, para esses setores, preservar privilégios sobre o orçamento público e preparar o terreno para uma derrota da esquerda em 2026. Essa ofensiva parecia bem-sucedida: no primeiro semestre de 2025, a aprovação do presidente atingiu seu ponto mais baixo, em meio a derrotas importantes. A chamada “crise do Pix” foi o episódio mais emblemático desse período.

A virada ocorreu entre junho e julho, quando o governo adotou uma estratégia de mobilização social em torno dos eixos centrais de sua visão de mundo. A partir daí, o bolsonarismo deixou de atuar sozinho no campo da disputa simbólica, e a esquerda recuperou espaço.

O primeiro ponto de inflexão veio com o tema da justiça social, após a quebra de acordo do presidente da Câmara, Hugo Motta, que derrubou o decreto presidencial que aumentava o IOF. Lula reagiu politizando o debate sobre justiça tributária e mobilizando a base progressista em torno da taxação dos mais ricos, bandeira que contribuiu para a recuperação da imagem do governo.

Em agosto, foi a vez do eixo da soberania nacional ganhar destaque, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impor tarifas ao Brasil e justificar a medida com base em uma suposta perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro, então julgado pelo STF por envolvimento na tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Lula respondeu convocando um movimento de unidade nacional sob o lema “O Brasil é dos brasileiros”. Além do gesto político, o governo iniciou uma rodada de negociações comerciais com os EUA e outros países, ampliando mercados e reforçando a defesa da economia brasileira. O gesto atraiu parte do empresariado para uma nova frente em defesa da estabilidade nacional. O movimento lembrou, em certa medida, a frente ampla de 2022.

Na defensiva, a extrema-direita e a direita tradicional no Congresso reagiram com uma série de “pautas-bomba”, numa tentativa de pressionar o governo e preservar seus próprios espaços de poder. A disputa atingiu o auge com a votação da chamada PEC da Blindagem e, logo depois, da urgência da anistia aos golpistas. O cálculo era bloquear a votação da isenção do Imposto de Renda atrelada à taxação dos mais ricos, principal aposta do governo no campo da justiça social e tributária.

O movimento, porém, encontrou resistência. A esquerda, já mobilizada em torno dos eixos da justiça social e da soberania nacional, reagiu rapidamente e conseguiu transformar o embate em um debate sobre representação política. As manifestações de 21 de setembro ampliaram o desgaste do Congresso e forçaram uma resposta institucional. Em 1º de outubro, a isenção do IR foi aprovada por unanimidade na Câmara, consolidando uma vitória política para o governo Lula.

Em paralelo a esses embates, a popularidade de Lula se recuperou, assim como suas intenções de voto, consolidando o presidente como candidato competitivo à reeleição em 2026 — uma disputa que tende a ser novamente polarizada, tendo a extrema-direita como principal adversária. Esse campo, que será tema do próximo texto, segue na defensiva, mas mantém expressiva base social. Nesse contexto, a manutenção da estratégia de mobilização em torno da justiça social, da soberania nacional e do combate aos privilégios políticos será decisiva para o desfecho do novo ciclo eleitoral.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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