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O MST e o agronegócio

Invadiram para validar o bolsonarismo ou os bons propósitos de Lula? Expliquem-se

O MST e o agronegócio
O MST e o agronegócio
Foto: Divulgação/MST-PE
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Não terá sido a primeira ou última coluna que escrevo neste site de CartaCapital que destino ao setor agropecuário e seus negócios. Mesmo raras, também já as fiz para a versão impressa, permissão do jornalista e redator-chefe Sergio Lirio (saudações, amigo). Vez ou outra, levo o tema para o GGN, de Luís e Lourdes Nassif, ou em livretos e palestras independentes.

Se as euforias e os castigos da vida me permitirem mais dois anos, terá sido meio século que descobri, por empregos, que tive vários, e alma, que só tenho uma, ser este o melhor, embora menos comentado, olhar para o Brasil, pois me valeu conhecer o país de sul a norte, principalmente, os conterrâneos que nele vivem.

Em muitas dessas abordagens, esforcei-me para esclarecer a estupidez mercadológica que foi, na década de 1970, um grupo de empresários e técnicos ligados às atividades rurais terem, para efeitos políticos, econômicos e sociais, esmigalhado os atos de campo, de caboclos, caipiras, campesinos, lavradores, sertanejos, ou tabaréus, “todos eles unidos num só ser” (obrigado Lenine, o músico), homens e mulheres, ‘cavoucando’ a terra, jogando nela sementes, alimentando e tratando dos brotos às plantas, para, ao final, colherem o alimento que irá sustentar o pandulho do planeta Terra. De novo, “todos eles unidos num só ser”, bichos racionais e irracionais (serão?).

Seria isso que a Federação de Corporações está discutindo agora? Caso positivo, de nada serviram os 15 anos escrevendo para explicar, na acepção correta do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), que no modo de produção capitalista, estão incluídas a produção em si mesma, a distribuição e a comercialização, como estágios avançados das cadeias, alimentares ou não, de todos os humanos economicamente ativos.

Explica melhor, ó cronista menor, diz o leitor preguiçoso, indisposto a queimar os seis neurônios que lhe sobraram.

Está bem. Hoje estou de bom humor.

Os estimadíssimos ingeriram boas feijoadas para comemorar, no sábado 22, o Descobrimento do Brasil? Estava boa? Espero que sim. Vai que a(o) produtora(o) a tivesse cozinhado por alguém inspirada(o) na Dona Surica, da Portela. 

Sem dúvida, usou seres vivos vegetais e animais, plantados e pastoreados, por caboclos, caipiras, campesinos, lavradores, sertanejos, ou tabaréus, sob auspícios de técnicos agrícolas, agrônomos, veterinários, pesquisadores e cozinheiros. Pronta, foi distribuída por carrocinhas, motoboys ou caminhoneiros. 

Se não comercializadas diretamente por vendinhas, mercados municipais, bares e botecos, foram preparadas em casas-grandes e senzalas para comida de ricos e pobres. Independente dos componentes identitários e econômicos do país, sempre será bem aceita.

Assim funciona o capitalismo. Agronegócio não é apenas o que é cotado pelas bolsas internacionais. Se o João Romeu plantou grumixama, colheu, embalou em caixinhas de papelão (sustentável), entregou com sua velha Toyota no mercadinho de Piedade (SP), a Dona Santina comprou e gostou, o João Romeu pertence ao agronegócio, tanto quanto o Leandro que produz, distribui e vende novelos de lã de carneiro, de Juazeiro (BA) para a Nigéria, também pertence ao agronegócio, onde pode se encontrar, no Agrishow com exportadores de sêmen cavalos de raça para Dubai.  

E assim chegamos a João Pedro Stédile na China. Como? Horror, ó horror! Né, Joseph Conrad? Ajoelhem-se, pois, invasores do MST, tão criminosos como o foram os de oito de abril em Brasília. 

Mas, injustamente, na Embrapa de Petrolina, companheiros?

Acharam que a região do Vale do São Francisco ainda é feudal? Invadiram para validar o bolsonarismo ou os bons propósitos de Lula? Expliquem-se. Sei que o coronelato aí ainda prevalece. Mas cagando, dando tiro no pé, os tabaréus melhorarão suas inclemências?

Não, pessoal do MST, vocês são ótimos. Têm prestado um serviço inestimável para o agronegócio brasileiro (sim, AGRONEGÓCIO), basta olhar a pauta de exportações brasileiras, que não é apenas soja, milho, café e outras commodities. Estão incluídas inúmeras variedades de frutas, verduras, legumes, madeiras, transformadas, não apenas para serem entregues ao mercado interno como ao externo. 

Filhas, que hoje moram nos EUA, compram alimentos e mercadorias processadas por membros do MST. Peço a elas que se orgulhem.

João Pedro Stédile, abaixo de Lula, poderia ter sido o chefe da expedição à China ou qualquer país que importe do Brasil.

Estudem, pesquisem, deem valor ao que é o MST com suas lavouras orgânicas, escolas de primeiro e segundo graus e de técnicos agrícolas e veterinários, vão lá e constatem.

Bora do agronegócio, com a devida licença dos editores de CartaCapital

E o Brasil? Em meus últimos artigos aqui e no GGN, afirmei que os períodos de liberação para o desenvolvimento vieram de vigorosos movimentos artísticos e culturais depois de períodos fascistas. Vide a Itália pós-II Guerra Mundial com o neorrealismo.

No Brasil, exemplifiquei com o Cinema Novo de Glauber Rocha, o teatro do Arena e seu “Opinião”, com Ariano Suassuna. Poderia ir além: a dança do “Grupo Corpo”; a arquitetura, inspirada em Oscar Niemeyer e Paulo Mendes Rocha (FAU-USP); Chico Buarque; o samba renovado; e todos os baianos da música.

Hoje em dia, quem formará essa vanguarda? De onde virá a revolução da retirada do fascismo? Não jogo toda a esperança em Lula e seu governo. Ego demais, apoio de menos, entendimento geral mínimo. 

Em 100 dias de governo Lula, promovem invenções; em quatro anos do inominável RIP, nada? O que foi? Cagaço?

Se vier alguma coisa nova, será do Norte-Nordeste. Estão lá minhas esperanças artísticas e culturais. Tudo misturado num só ser. Como Lenine e Emicida.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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