

Opinião
O maldito pi
Eu sabia que nunca na minha vida eu precisaria saber uma equação do primeiro grau, nem do segundo. E a raiz quadrada?


Sempre fui uma negação em matemática, sempre! Desde as primeiras continhas que Dona Maria Augusta Toscano me passava no Colégio Marista. Nunca gostei de manipular números, tentar entender as ciências exatas.
E a coisa foi só piorando. Daquela tabuada decorada, eu só gostava dos números fáceis de guardar. Cinco vezes cinco, vinte e cinco. Seis vezes seis, trinta e seis. Nove vezes nove, oitenta e um.
Quando o ginásio chegou, a coisa apertou. Eu olhava para aquelas equações, aquela quantidade de X, de X ao quadrado, aquilo nunca entrou na minha cabeça.
Não era má vontade minha. Eu sabia que nunca na minha vida eu precisaria saber uma equação do primeiro grau, nem do segundo. E a raiz quadrada?
Hoje eu me orgulho, pode parecer brincadeira, mas eu me orgulho de nunca ter feito uma raiz quadrada na vida, como nunca soube para que ela servia.
Há alguns anos, chorei de rir com um quadro na TV Pirata. Uma família estava assistindo televisão na sala, quando um bandido pulou a janela e, revólver em punho, se dirigiu ao chefe da família. Colocou o cano do revólver na cabeça dele e perguntou: qual é a raiz quadrada de quarenta e nove? E ele respondeu na lata: sete! O ladrão se deu por satisfeito, deu meia volta e foi embora. E o pai de família, aliviado, suspirou: eu sabia que isto ser útil um dia na minha vida.
Do ginásio, pulei para o científico, fiz cursinho, entrei na faculdade, saí da faculdade, fiz mestrado e sempre sem saber fazer raiz quadrada, sem saber a fórmula de uma equação. Se bem que eu nunca soube também o símbolo do cobalto.
Mas hoje eu me lembrei do pi. Na Internet, a gente fica sabendo coisas impressionantes. Quer ver só?
O matemático grego Cláudio Ptolomeu, por volta do século III d.C., calculou o pi a partir de um polígono de 720 lados inscrito em uma circunferência de 60 unidades de raio. O valor encontrado por ele foi de aproximadamente 3,1416.
Disso eu nunca me esqueci e hoje ainda me lembro bem. O pi vale 3,1416! Agora eu me pergunto, 3,1416 o quê? Reais? Gramas? Graus?
É incrível pensar que nesse mundo de meu Deus, o pi de Ptolomeu continua existindo. A Rural Willys acabou, a Mesbla acabou, as videolocadoras acabaram, a Mirinda Morango, o mata-borrão, o chicletes Ping-Pong, o Vídeo Show, tudo acabou. Mas o pi, não. O pi continua firme e forte e não há quem contrarie Ptolomeu e dê um fim nele.
A minha segurança é saber que se algum dia, numa esquina qualquer de São Paulo, um trombadinha colocar o revólver na minha testa e perguntar: qual é o valor do pi? Eu estarei salvo ao responder: 3,1416!
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.