Justiça

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O joio e o trigo

O Supremo não está isento às críticas, mas é preciso prudência. Não há qualquer equiparação aceitável com a Lava Jato

Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Estão se intensificando as críticas aos mais recentes atos de persecução penal e jurisdicionais de relatoria do ministro Alexandre de ­Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Críticas não são apenas aceitáveis, mas desejáveis em qualquer sistema democrático. A posição assumida pelo Judiciário para a vida em sociedade o coloca, invariavelmente, sob o crivo do questionamento.

Ao Judiciário cabe, nas democracias contemporâneas, a última palavra em termos de interpretação da ordem jurídica. Em países como os latino-americanos, providos de Constituições analíticas, diversas decisões sobre da vida pública, em comunidade e dos comportamentos humanos são transferidas para o âmbito jurisdicional. O escrutínio público a que se sujeita o Judiciário fica ainda mais latente quando estamos diante de um órgão de cúpula que, cotidianamente, é provocado a se manifestar sobre pautas sociais, conflitos entre poderes e federativos.

Com relação às competências exercidas pelo Supremo em matéria criminal, não são inéditas as críticas a ele dirigidas. Muitas delas foram – e são – legítimas. Entretanto, há críticas que são descabidas sob a perspectiva jurídica e, o que é mais grave, servem a propósitos políticos escusos.

A extrema-direita brasileira vale-se de medo, ódio e mentira como capital político e como meio de reprodução e dissipação. A gradual fragilização dos espaços e dos sentidos da democracia e da relação de pertencimento à sociedade ocorre através de específicos artifícios enfraquecedores do pacto civilizatório e das instituições democráticas.

Nesse contexto, determinadas críticas ao Supremo visam enfraquecê-lo e, assim, favorecer aos anseios do bolsonarismo. Não há qualquer equiparação aceitável com a Lava Jato. Não igualemos situações absolutamente desiguais e rememoremos que o lavajatismo e o bolsonarismo estão umbilicalmente associados. O primeiro gerou as condições ideais para a ascensão do segundo.

A Lava Jato manifestou-se sob a aparência de um processo penal comum, mas com conteúdo material de caráter político-tirânico, com fim imediato de eliminação de inimigos da vida pública e com fim mediato de destruição da democracia brasileira. Muito além de pontuais violações ao devido processo legal, bem como à imparcialidade da jurisdição e dos deveres impostos aos membros do Ministério Público, a Lava Jato enquadrou-se como uma severa manifestação patológico-sistêmica e de exceção, o que é muito distinto do erro judicial, do solipsismo, do ativismo ou de qualquer manifestação de decisionismo voluntarista.

As mais recentes medidas adotadas pelo Supremo não são equiparáveis ao referido fenômeno. Inexiste conteúdo material anômico, bem como suspensão de direitos, nos desdobramentos decorrentes da abertura do inquérito policial em regime de contempt of court e de defesa da nossa democracia constitucional. Ao contrário de medidas de exceção, a atuação do Supremo, inserta na ordem jurídica, não se iguala aos produtos da destrutiva anomia lavajatista.

A defesa da nossa democracia constitucional pelo Supremo não está isenta de erros. Ademais, a centralidade da jurisdição constitucional no nosso sistema a coloca, na mesma extensão, no centro do escrutínio público. O Supremo deve rever – e já reviu – determinadas prisões preventivas, as quais não podem se transformar em mecanismo de antecipação da sanção penal nem violar o direito fundamental à não autoincriminação.

Ademais, ao contrário do julgamento virtual, o Supremo deveria conferir maior publicidade aos processos penais decorrentes dos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Todos os cidadãos deveriam possuir, para além do linguajar estritamente jurídico, amplo acesso aos fundamentos decisórios. Estamos construindo a nossa história democrática em suas vicissitudes.

É preciso que se realize um in­ces­sante e comprometido escrutínio dos pro­ce­dimentos e dos produtos da persecução do Estado. Entretanto, erros dessa natureza caracterizam-se como injustiças e disfuncionalidades que não desqualificam, in totum, a atuação do Supremo. Erros são inerentes à condição humana e ocorrem em qualquer sistema.

Assim considerando, ao contrário de patologias do sistema, constatamos algumas disfunções que devem ser criticadas e corrigidas. É dentro desse campo que deve circunscrever a crítica. A confusão, além de equívoco epistêmico no âmbito jurídico, favorece, no âmbito político, aos propósitos da extrema-direita, sedenta na descredibilização dos locus de resistência e na apropriação fraudulenta da verdade. •

Publicado na edição n° 1260 de CartaCapital, em 24 de maio de 2023.

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