Frente Ampla

O interesse público não combina com os interesses privados

A concessionária Enel Ceará precisa ser responsabilizada pelos transtornos e prejuízos causados na economia, escreve José Guimarães

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
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Apesar da abundância da produção, o Ceará tem sofrido com interrupções frequentes do fornecimento de energia em diversas regiões, sob responsabilidade da empresa Enel. Os prejuízos aos consumidores são grandes e generalizados. Tem afetado escolas, hospitais, empresas, residências, a economia de modo geral e o cotidiano da população.

No momento da febre de privatizações no Brasil, a Companhia de Eletricidade do Ceará (COELCE) foi vendida, pelo então governador Tasso Jereissati, à empresa italiana Enel. Com isso, a Enel Ceará se apropriou da distribuição de energia de cerca de 4,38 milhões de unidades consumidoras nos 184 municípios do Estado. Hoje, investigada devido à escalada de interrupções do fornecimento de energia.

Uma CPI foi instalada na Assembleia Legislativa do Ceará, sob a presidência do deputado estadual Fernando Santana, para botar em pratos limpos os problemas do fornecimento de energia pela concessionária e os pressupostos do contrato de privatização. Uma comissão de autoridades do Estado do Ceará estará em Brasília, em reunião na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a fim de pedir providências para que a Enel seja responsabilizada pelo desabastecimento de energia. Tendo em vista a gravidade dos problemas, também será submetida à análise do Ministério de Minas e Energia o pedido de suspensão da renovação da concessão de empresas sob investigação.

Definitivamente, o interesse privado não combina com o interesse público. No caso das privatizações, isso fica ainda mais claro. A venda de empresas públicas segue a lógica rentista, enquanto o consumidor espera das empresas privatizadas melhora da produção e da oferta de serviços de qualidade, prometidas pelos privatistas.

Mas, não é isso que acontece. Os processos de privatização estão estigmatizados, no Brasil e no mundo, devido a fraudes, corrupção. A venda da Vale do Rio Doce, em 1997, durante o governo de FHC, por exemplo, é um caso emblemático. Avaliada em R$100 bilhões, somente em reservas minerais, foi vendida por apenas R$ 3,3 bilhões.

Pesquisas de opinião realizadas nas últimas décadas apuraram que 2/3 dos brasileiros são contrários às privatizações. Uma demonstração de que as privatizações, por aqui, estão maculadas por denúncias de corrupção, pela piora da oferta e da qualidade dos serviços.

Estudo realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), constatou que o tempo médio de espera dos consumidores para que a Enel São Paulo atenda emergências passou de 6 horas em 2018 para 13 horas, em 2023. Os problemas de fornecimento de energia e de atendimento de emergências, pela Enel, não se resumem ao Ceará, mas estão ocorrendo em nível nacional.

Recentemente, São Paulo sofreu uma das mais graves interrupções de abastecimento de energia de sua história. Durante seis dias, 21 mil residências, cerca de 2 milhões de pessoas ficaram sem energia, devido a um blecaute, após fortes chuvas. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, e outras do interior do Ceará não podem ficar expostas a tamanha vulnerabilidade do fornecimento de energia, por deficiências da infraestrutura de provimento da Enel.

O modelo de privatização é o mesmo em qualquer canto do mundo. Com promessas de eficiência e melhoria na oferta de serviços, demite, reduz salários e aposta na terceirização de serviços. Por exemplo, depois da privatização da Eletropaulo, a Enel São Paulo, que comprou 70% das ações da empresa dos paulistas, em 2018, cortou 36% do efetivo de trabalhadores. Ao mesmo tempo, em 2023, num ranking de qualidade com as 29 maiores concessionárias de energia elétrica do país, a Enel São Paulo ocupava a 19ª posição. Enquanto o lucro da Enel, que, em 2019, chegou a R$ 77 milhões, no final de 2022 saltou para 1,5 bilhão. Ou seja, os acionistas fazem a festa com gordos lucros e dividendos e os consumidores ficam com os problemas.

A causa do apagão em São Paulo e na maioria das cidades brasileiras se deve basicamente à falta de enterramento dos fios, um problema decorrente dos critérios adotados para a privatização das empresas, que não leva em consideração a vulnerabilidade da rede aérea, o consumidor, suas atividades econômicas e seus direitos como cidadão.

A solução para resolver o problema da vulnerabilidade das redes de fiação são as galerias técnicas, subterrâneas por onde deve passar a fiação elétrica. As concessionárias alegam custos, mas não abrem mão de seus escorchantes lucros. Ou seja, esse é um debate que precisa ser feito no âmbito federal e no âmbito municipal para garantir as galerias técnicas nas nossas cidades.

Países onde as privatizações de empresas de infraestrutura de desenvolvimento foram amplamente realizadas em décadas passadas, como no Chile, em outros países das Américas e na Europa, estão reestatizando suas empresas, num movimento de retomada do controle estatal, devido à perda de oferta e da qualidade dos serviços.

A concessionária Enel Ceará precisa ser responsabilizada pelos transtornos e prejuízos causados na economia, no comércio e para os consumidores, e providenciadas as devidas indenizações a cidadãs e cidadãos prejudicados. O Ministério de Minas e Energia deve pedir a suspensão da renovação da concessão de empresas sob investigação, para que o Ceará e outros estados da Federação se livrem da situação de vulnerabilidade em que se encontram.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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