Opinião

O impedimento de Bolsonaro ganha força

As carreatas ocorridas pelo Brasil afora no último fim de semana demonstram isso, escreve Milton Rondó

Foto: Sergio Lima / AFP
Apoie Siga-nos no

“O importante não é justificar o erro, mas impedir que ele se repita”.
Che Guevara.

Muito se tem falado e escrito sobre a opção do PT por apoiar uma candidatura de direita para a presidência da Câmara dos Deputados. O pleito ocorre contra o candidato do genocida, que pretende aprovar o excludente de ilicitude para as polícias políticas matarem todos aqueles e aquelas que a ele se opuserem (e que não tenham morrido antes pela Covid, por ele disseminada).

O apoio do partido resultou de maioria estreita (27 a 23). Demonstra, porém, a maturidade que o partido atingiu após o golpe de 2016, desferido pela Câmara, em conluio com setores golpistas militares, do judiciário e da imprensa.

O PSOL ainda não pôde atingir aquele consenso corajoso, embora a parte mais importante do partido tenha defendido a aliança tática.

A propósito de discernir o escritor cubano Leonardo Padura, em “Água por todos os lados“, cita o grande romancista francês Gustave Flaubert: “Sempre me esforcei para chegar à alma das coisas”.

Com efeito o discernimento é um dos maiores desafios humanos. Para buscá-lo, perscrutamos a religião, a filosofia, a ciência, a observação da nossa história pessoal e daquela universal, a fim de podermos formar opinião e agir.

Esse imenso desafio toma-nos toda a vida e permite, algumas vezes, notar nossa modesta contribuição aos saberes do conjunto da humanidade.

Nesse sentido, o PT conseguiu discernir o bem, não como um conjunto de homens, brancos de classe média que não têm a vivência de serem mulheres, pobres, negros, LGBTIs ou especiais. Ascendeu e convergiu, como diria o teólogo Teilhard de Chardin.

Convém observar que não se tratou de um desafio menor, em uma sociedade tão estratificada como a brasileira, em que moramos em lugares distintos, comemos outras refeições e nos relacionamos com pessoas culturalmente muito diferentes, umas classes – quase castas, por terem cor – das outras.

O PT exercitou a empatia, “Irmãos Todos”; como na encíclica do Papa Francisco, cumpriu um gesto de amor ao próximo.

Pois no horizonte do revolucionário tem de estar sempre a alteridade, onde quer que se encontre, como já dissera outro grande argentino, o Che Guevara: “Acima de tudo, procurem sempre sentir profundamente qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário”.

Outro Leonardo, o Boff, xará do Padura, em “Brasil – Concluir a refundação ou prolongar a dependência“, cita “O povo brasileiro“, de Darcy Ribeiro, que, de forma magistral assim nos define: “O ruim aqui, e efetivo fator causal do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. Não há e nunca houve aqui um povo livre, regendo seu destino na busca de sua própria prosperidade. O que houve e o que há é uma massa de trabalhadores explorados, humilhada e ofendida por uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma social vigente”.

Como bem postula Leonardo Boff, o desafio é mudar o nosso horizonte de “utopia (aquilo que não tem lugar)” em “eutopia (um lugar bom)”.

Sobre a transformação do verbo em ação, Boff cita o escritor e diplomata francês Francois-Renê de Chateaubriand: “Nada é mais forte do que uma ideia quando chegou o momento de sua realização”.

As carreatas ocorridas pelo Brasil afora no último fim de semana demonstram que o impedimento do genocida vem ganhando força: pesquisa recente do “El Pais” demonstra que mais de 50% por cento da população deseja a vida e, portanto, a saída do poder da milícia que o assaltou, gerando mortes sem medida.

De fato, no Norte, assistimos ao colapso dos sistemas de saúde do Amazonas, de Rondônia e do Baixo Amazonas/oeste do Pará. Em Faro, Pará, a população está sendo socorrida de oxigênio pelo navio-hospital doado pelo Papa Francisco. Na localidade, uma única família perdeu sete pessoas para a incúria federal, pelo desabastecimento de oxigênio.

Cabe perguntar: onde estão os navios da Marinha?

No período em que fui responsável pela cooperação humanitária brasileira, nos governos Lula e Dilma, mais de uma vez insisti com as Forças Armadas sobre a importância de contarmos com navios hospitais como têm a Itália e o México. A reação foi nenhuma, literalmente.

Às trevas da inação, cabe contrapor a certeza do futuro, como Leonardo Boff faz, ao citar Camões, nos versos dos Lusíadas: “Depois de procelosa tempestade, sombria noite e cibilante vento / traz a manhã serena claridade, esperança de porto e salvamento”.

Mais adiante naquela obra, Boff nos brinda com mais uma maravilhosa citação: “De Santo Agostinho, talvez o maior gênio cristão e africano de Hipona, hoje Argélia, grande formulador de frases, nos vem esta sentença: ‘A esperança tem duas belas e queridas filhas: a indignação e a coragem; a indignação para recusar as coisas como estão aí; e a coragem para mudá-las”.

De volta à cultura da Pátria Grande, Boff conduz-nos a mais uma das fontes universais da esperança, que tanto inspirou a sabedoria de nossos vizinhos nas lutas de libertação, Dom Quixote, cavaleiro e cavalheiro da esperança, lembrando-nos que: “Não se deve aceitar as derrotas sem antes dar todas as batalhas”. A elas!

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo