Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O homem que procura Vandré

Nunca saiu da cabeça do jornalista aquela imagem do compositor com o violão na mão, cantando ‘Caminhando’ no Maracanãzinho

Foto: Alberto Villas
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É uma obsessão sim. Começou com o jornalista procurando o compositor exilado perambulando pelos campos floridos da Bélgica. O jornalista, a caminho do Grande Prêmio da Bélgica e o compositor, num fusca, ao lado de um grande amor que nasceu e morreu numa velocidade estonteante. Nunca encontrou.

Nunca saiu da cabeça do jornalista aquela imagem do compositor com o violão na mão, cantando Caminhando no Maracanãzinho.  E a multidão em coro, caminhando e cantando, numa espécie de desafio ao regime vigente. Militar, ditadura.

No exílio, ouviu em um vinil a música Pátria Amada Idolatrada: Se for pra dizer adeus/Pra não te ver jamais/Eu que dos filhos teus/Fui te amar demais. Uma música dolorida, feita em Bruxelas, na solidão dele com um violão. Quase ninguém ouviu essa canção.

Muitos anos depois, a procura começou no calçadão da Barão de Itapetininga, num tempo em que ainda havia a Wop Bop com camisetas de Nina Hagen na vitrine, a Livraria Francesa com todos os livros da Gallimard, e a Brasiliense, com suas cantadas literárias. O jornalista soube que o compositor morava ali, numa daquelas ruas paralelas, nunca soube direito qual.

Como ele passava todos os dias pela Barão rumo ao trabalho, não custava nada ir caminhando e olhando no rosto de cada pessoa, na esperança de um deles ser o do compositor de Pátria Amada Idolatrada.

Velhos, jovens, compradores de ouro, mulheres vendendo empadinhas de palmito em cestas de vime, passava de tudo. Pra lá e pra cá, mas menos ele.

Nos dias de muito sol, de chuva, de garoa, nos dias nublados, ele nunca deixou de procurar o compositor no meio daquele burburinho do centro da maior cidade da América do Sul.

O prédio onde o compositor morava era bem velho e decadente, quase centenário, desses que a porta principal, de ferro, pesada, dava pra rua. Quando alguém virara a chave de uma dessas portas, ele parava e esperava o morador sair. Quem sabe não era ele?

De vez em quando, parava e olhava pra cima. Os olhos iam percorrendo cada janela, algumas sem vidro, protegidas com um pedaço de compensado. Ele nunca viu a cara do compositor numa dessas janelas com vidros sujos, quase pretos de poluição.

Em meados dos anos 1980, editou uma capa do Caderno 2 do Estadão, cujo título era: Este homem matou Geraldo Vandré! Com um ponto de exclamação. O homem era Geraldo Pedrosa de Araújo Dias.

Assim que conseguiu o telefone do compositor, o jornalista danou a ligar. Ligava em horários diferentes, até mesmo no domingo, na hora do Fantástico, ele ligou. O telefone era fixo e depois de tocar, tocar, tocar, dava sinal de ocupado. Ninguém atendia.

Chegou a duvidar daquele número, até que um dia ele ouviu uma voz do outro lado. Sim, era ele, com aquela voz triste de sempre. Conversou pouco, desconfiou da mídia, mas disse que estaria quarta-feira no alojamento da FAB, perto do aeroporto Santos Dumont, na cidade maravilhosa. Encontro marcado.

Ele tirou a passagem para o Rio, para quarta-feira mesmo, no primeiro voo da ponte-aérea. Sete e meia da manhã estava na porta do alojamento da FAB, a que o jornalista chegou andando a pé, apressado.

Era uma espécie de hotel, com uma recepção com cara de hotel de bairro. Perguntou por ele e o rapaz disse que ele estava sim por ali, talvez no café da manhã. O porteiro ensinou o caminho e jornalista foi.

O compositor estava sentado numa mesa no fundo do salão. Ele lia o Jornal do Brasil, a capa do Caderno B. Ele se apresentou e o compositor, com uma certa má vontade, respondeu as perguntas, desviando para assuntos que só interessavam a ele.

Deu matéria. Quando a revista saiu, o jornalista cumpriu a promessa de deixar um exemplar na recepção do alojamento da FAB. Deixou, mas nunca soube se chegou às suas mãos.

Depois disso, o jornalista não desistiu, continuou procurando Geraldo Vandré porque queria sempre ter notícias dele, decifrar o enigma. Hoje, o compositor está com 87 anos, talvez não saia mais de casa. Ficou bem mais difícil encontrá-lo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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