Gustavo Freire Barbosa

[email protected]

Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

O final feliz de Deltan Dallagnol

Ao fim, o ex-procurador se apoltrona, muito confortavelmente, na mesma vala das caricaturas que tanto criticou

O ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol. Foto: Alex Ferreira / Câmara dos Deputados
Apoie Siga-nos no

Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem, afirmou Lenin. Seria ousado dizer que, na terceira semana de maio, décadas foram embora. Mas é fato que nela se passaram alguns meses ou mesmo alguns anos.

Foi nesta semana que a Petrobras deu fim à malfadada política de Preço de Paridade de Importação (PPI), instituída pelo governo Temer após o golpe de 2016 e razão de boa parte do sofrimento dos brasileiros nos últimos anos[1]. Também nestes dias, um humorista engraçadinho, após apresentar um rosário de machismos e racismos em seu show, foi alvo de decisão judicial determinando que o respectivo vídeo fosse retirado do ar. Além disso, a aprovação da urgência do projeto do novo arcabouço fiscal pela Câmara e a instalação da CPI do MST tiveram destaque nos noticiários – mas não tanto quanto a cassação do mandato do ex-procurador Deltan Dallagnol.[2]

Por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que Dallagnol não deve mais ser deputado. O motivo: fraude à Lei da Ficha Limpa. O ex-procurador não poderia ter sido eleito, pois pediu exoneração quando ainda respondia a processos disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público. Projetando ser demitido depois de sucessivas condenações a advertência e suspensão, decidiu fazer as trouxas. Entre os quinze processos pendentes, está o que apura a disponibilização de dados sigilosos da Operação Lava Jato direto ao FBI. Cooperação dessa natureza não é permitida pela lei brasileira.

A cassação do mandato de Dallagnol é o chute no cachorro morto. Enquanto a Lava Jato não alcançava seu principal objetivo – a prisão e a interdição eleitoral de Lula -, era incensada e alimentada com a mais cara ração. Atingida a meta, os procuradores e o ex-juiz Moro, baluartes da antipolítica, viram que não há nada mais político do que a negação da política – ainda que já soubessem disso. Ajoelhados à realidade amarga, decidiram assumir a identidade que sempre tiveram: um, ocupando o posto de ministro de Estado e depois senador; o outro, de parlamentar federal.

A antipolítica da Lava Jato ajudou a eleger nomes como João Dória e o próprio Bolsonaro, autodeclarados “anti-establishment”. O mais interessante é que, enquanto negava a política, o próprio Dallagnol cogitou sua candidatura a senador em 2018 e mesmo em 2022. Em um chat consigo mesmo revelado pelo Intercept Brasil[3], escreveu que se considera “provavelmente eleito”, cogitando a hipótese de o MPF “lançar um candidato por Estado”. Tal qual Moro, Dallagnol criminalizava a política institucional enquanto traçava planos para fazer parte dela.

É evidente que o ex-deputado, encarnando correntes de Whatsapp, colocaria a responsabilidade de sua cassação no “sistema”, refratário a heróis bem aventurados como ele. Ao lado de Eduardo Bolsonaro[4], falou que a corrupção recebeu com festa o fim do seu mandato. Falou também em vingança contra sua pessoa. Não disse, porém, por que Benedito Gonçalves, ministro que proferiu o voto seguido unanimemente pelos seus colegas, teria vontade de se vingar dele. Tampouco as razões que os três ministros indicados pelo pai de Eduardo[5], subscritores do voto de Gonçalves, teriam para isso.

Pode o “sistema”, que até há pouco tempo o elevava à condição de semideus, mudar de lado tão rápido? Claro que não. Para quem se enxerga como arcanjo purificador, o inferno são os outros. A corrupção, na miopia de Dallagnol, não decorre do ímpeto do poder econômico em explorar e predar o Estado e rapinar os fundos públicos para acumular ainda mais, mas tão somente de vilões do Universo Marvel em forma de políticos.

A antipolítica caricata e infantil do ex-parlamentar o levou longe até demais. Deslumbrado, vaidoso e desqualificado, deve seguir destino semelhante ao de Moro após ser demitido por Bolsonaro, assumindo uma consultoria milionária em alguma empresa que enriqueceu às custas das massas falidas das indústrias quebradas pela Lava Jato.

Um final feliz para quem encara a política como uma plataforma para ambições pessoais. Ao fim, Dallagnol se apoltrona, muito confortavelmente, na mesma vala das caricaturas que tanto criticou.

***

[1] https://bit.ly/3MfMVQb

[2] https://bit.ly/42PjFaf

[3] https://bit.ly/3WdR6AP

[4] https://bit.ly/3BE3sIY

[5] https://bit.ly/3Wi3iR1

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo