
Gustavo Freire Barbosa
[email protected]Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.
Denúncias têm o potencial de tirar lascas das já fragilizadas credibilidades de Moro e Dallagnol
É possível que o ex-juiz Sergio Moro, na última semana, tenha vivido seu melhor momento desde que entrou formalmente na política. Saindo de uma séria de derrotas e constrangimentos – vide a tentativa frustrada de sair candidato a presidente, o impedimento pela justiça eleitoral de se candidatar a senador por São Paulo e a aproximação de seu partido, o União Brasil, do governo Lula -, o Moro-senador vinha demonstrando pouca desenvoltura, diferente do Moro-juiz, que, como um monarca absolutista, acusava e julgava ao mesmo tempo, amparando sua desqualificação técnica, moral e intelectual num antipetismo disposto a abraçar qualquer coisa que fosse contra o PT.
A divulgação do plano do PCC em matá-lo, porém, restituiu, em certa medida, a aura justiceira engolida pela figura mal-acabada que se tornou após a publicação dos diálogos da Vaza Jato. E não foi só o hacker de Araraquara a única pedra em seu sapato. Moro, que assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública com semblante de xerife, foi chutado pelo mesmo bolsonarismo que auxiliou, ainda como magistrado, a chegar ao Planalto. Logo em seguida, após uma passagem esquisita pela consultoria Alvarez & Marsal – onde 75% da receita vem de empresas derrubadas pela Lava Jato capitaneada por Moro, que recebeu R$ 3,7 milhões por um ano de trabalho neste mesmo local –, Moro retornou aos braços do bolsonarismo, agora rebaixado ao posto de assessor do ex-presidente em debates eleitorais.
A verdade é que Moro jamais saiu do espectro bolsonarista. Sua visita aos vândalos golpistas na prisão é prova disso. Um dia após os ataques terroristas em Brasília, o senador declarou que Lula “está mais preocupado em reprimir protestos e a opinião divergente do que em apresentar resultados”. Para ele, o 08 de janeiro foi um exemplo de liberdade de expressão.
Ser alvo do PCC serviu para esconder esse malfadado currículo. Sabendo do potencial do episódio, o ex-juiz capitalizou, sugerindo projeto de lei ampliando a repressão e surfando nas declarações do presidente Lula a respeito. Deu certo. Foi, sim, sua melhor semana.
Mas não durou muito. As explosivas acusações do advogado Tacla Duran tiraram o conforto momentâneo do senador. Duran, réu em processos da Operação Lava Jato, acusa Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, hoje deputado, de participarem de um esquema de extorsão, sendo o próprio depoente vítima deste esquema.
Duran afirmou em audiência à 13ª Vara Federal de Curitiba que a dupla insistia, direta e indiretamente, em manter contato com ele fora dos autos, pressionando-o. Ante tal depoimento, o juiz Eduardo Appio, titular da vara, remeteu o processo ao STF em razão do foro privilegiado dos citados. Moro insurgiu-se, dizendo abrir mão do foro e acusando Appio de suspeito, sem habilitação, portanto, para conduzir o processo, acusação respaldada pelo Ministério Público. O fato de Sergio Moro ter a ousadia de acusar um juiz de suspeito já entra para o anedotário da crônica política.
Nos tempos em que era heresia criticar os métodos da Lava Jato, Duran, em delação premiada, afirmou que Carlos Zucolotto, padrinho de casamento de Moro e ex-sócio de sua esposa, cobrou alguns milhões de reais para que o ajudasse a fazer uma delação benéfica. Na época, Moro afirmou que o depoimento de Duran, um criminoso confesso, segundo ele, não tinha credibilidade – embora as delações de outros “criminosos confessos”, como o empreiteiro Léo Pinheiro, tenham sido mais do que suficientes para condenar o presidente Lula nos casos do tríplex e do sítio de Atibaia. Assim como Duran, Pinheiro foi alvo de assédio e pressões para que delatasse contra o atual mandatário.
O núcleo duro do lavajatismo, apêndice vulgar do bolsonarismo, é onde estão os que ainda creem na figura do Moro paladino anticorrupção. As denúncias de Tacla Duran têm o potencial de tirar lascas das já fragilizadas credibilidades de Moro e Dallagnol, escanteados após terem cumprido o papel de condenar e aprisionar Lula e contribuir para sua interdição eleitoral.
Mas, uma vez que o bolsonarismo é a força mais relevante da direita, personagens “limpinhos” e “civilizados” como a dupla tendem a se sujeitar ao seu campo gravitacional. Por mais desqualificados que sejam, ainda possuem alguma serventia na hierarquia bolsonarista, a despeito de acessória.
O enfrentamento a eles não pode abrir mão do enfrentamento também do bolsonarismo.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
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