Orlando Silva

É deputado federal (PCdoB-SP)

Opinião

O bilionário excêntrico no playground da extrema-direita

Manifestações de Elon Musk revelam a necessidade inadiável de aprovar a regulação democrática das plataformas digitais

O deputado federal Orlando Silva. Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
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Elon Musk é um bilionário excêntrico e inescrupuloso, capaz de qualquer ação para obter holofotes e beneficiar seus negócios. Tratando-se de quem é, impossível não desconfiar de que interesses inconfessáveis estão por trás de suas recentes manifestações sobre a democracia brasileira.

Já é inadmissível, sob todos os aspectos, que o dono de uma empresa internacional use o poderio de comunicação de sua plataforma para se imiscuir em questões jurídicas e políticas de uma nação soberana. Caso leve adiante as ameaças de descumprimento de determinações judiciais emanadas pela Suprema Corte brasileira, pior, terá cruzado o Rubicão para o cometimento deliberado de crime.

Toda decisão judicial pode ser criticada e combatida através de recursos, mas jamais descumprida, o que é um princípio basilar para o convívio em sociedade. Por isso, a investida contra o ministro Alexandre de Moraes não se encerra na pessoa física, mas atenta contra as instituições nacionais e a soberania do País quanto à aplicação da Constituição e das leis.

Parece-me que os ataques de Musk têm o objetivo de inflamar a extrema-direita bolsonarista, alimentar uma narrativa canhestra de que há uma suposta ditadura sustentada pelo Judiciário no País e, assim, manter esse grupo coeso e mobilizado, aqui e alhures, pois os fascistas têm se organizado internacionalmente. De quebra, ganha holofotes para si e para sua plataforma, transformada por ele em playground para grupos extremistas e criminosos praticarem ilícitos sem qualquer pudor.

O caso revela a necessidade inadiável de aprovar a regulação democrática das plataformas digitais, conferindo ao arcabouço normativo brasileiro os instrumentos adequados para lidar com a criminalidade que grassa na internet, como se o ambiente virtual fosse imune às leis.

Uma breve circulada pelo noticiário revela que as plataformas são veículos para que falsários apliquem golpes financeiros através de links falsos patrocinados; que elas abrigam grupos neonazistas com aberta pregação de violência e extermínio de populações; que campanhas de desinformação semeiam boicotes à vacinação e outras determinações de saúde pública; que mutilações, suicídios infanto-juvenis e agressões sexuais são incentivados em determinadas redes. Vamos aceitar e conviver com a barbárie? Luto para que não!

Em todo o mundo se debate o desafio da regulação das plataformas. O cerne da questão, a meu ver, é a mudança no regime de responsabilidade civil delas, que atualmente inexiste. É como se um setor econômico que lucra rios de dinheiro com um modelo de negócios nada transparente estivesse imune a qualquer regramento. Que poder imperial é esse?

Hoje, caso um cliente seja vítima de fraude bancária porque golpistas usaram um link falso para roubar seus dados e invadir a conta, o banco responde objetivamente, independente de culpa, pelos danos causados, porque está sujeito à aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça. É a teoria do risco do negócio, conceito acolhido pelo Código Civil.

Pois é, mas quando o usuário cai em um golpe através de link falso patrocinado na internet, nada acontece, porque a legislação aplicável só prevê responsabilização quando as plataformas deixam de cumprir determinação judicial. Ora, se foi suficiente nos primórdios da internet, no ambiente atual, em que o virtual e o real estão praticamente em simbiose, tal norma está evidentemente defasada.

Só que os riscos são imensamente maiores do que o exemplo acima. Acabamos de impedir uma tentativa de golpe de Estado que teve a atuação de grupos criminosos utilizando as plataformas como centro irradiador de descrédito na Justiça Eleitoral e do governo legitimamente eleito e, a partir daí, da mobilização e amplificação da ira de certos grupos, redundando na ação concreta do 8 de Janeiro. A chama plantada no ambiente virtual virou incêndio na vida real!

Diante da gravidade dos fatos, tenho apelado ao presidente e aos líderes partidários para que o PL 2630 seja pautado e apreciado em plenário o mais rápido possível. Não é razoável que uma das maiores democracias e economias do planeta esteja sujeita a ser enxovalhada por um bilionário excêntrico que decide brincar em seu playground da extrema-direita.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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