Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

O assassinato de Thiago Menezes e a dupla morte da infância no Brasil

Não basta tirar a vida e roubar o futuro. É preciso sequestrar a honra e a dignidade, inclusive das crianças

Thiago Menezes Flausino, 13 anos, morto durante operação policial na Cidade de Deus, no Rio — Foto: Reprodução
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A política de caça a pretos e pobres fez mais uma vítima no início da semana. Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, teve a vida ceifada no que erroneamente se convencionou chamar de “operação policial”. Segundo relatos de moradores da Cidade de Deus, o garoto que sonhava em ser jogador de futebol foi baleado primeiro na perna, enquanto andava de moto com um colega, e depois, já caído, teria sido executado com outros tiros à queima-roupa.

Não bastasse ser morto de forma tão brutal, policiais ainda registraram, em nota, que ele portava uma arma, o que foi contestado de forma veemente pelos parentes.

Ao chamar o garoto de ‘criminoso’, a PM assassina também sua memória

Em entrevista, o pai de Thiago, Diogo Flausino, disse que o menino “nunca colocou um cigarro na boca”. Já a mãe, Priscila, que diante da dor de perder um filho, aparentava uma força que eu desconheço, uma “força estranha”, conforme cantou Caetano Veloso, afirmou: “Thiago era apenas um adolescente ceifado por essa necropolícia que a gente tem no nosso estado. Mais uma vítima que entra para a estatística. Ele só morreu porque é preto e pobre”. Mais assertiva impossível.

De acordo com a Plataforma Fogo Cruzado, somente nos quatro primeiros meses deste ano, 14 crianças foram baleadas no Rio de Janeiro e em cidades da região metropolitana. Corroborando com as palavras da mãe de Thiaguinho, como o menino era chamado, todas viviam em territórios nos quais a cidadania é um direito sistematicamente violado.

Na Cidade de Deus, Thiago jogava bola, brincava, frequentava uma igreja evangélica. O bairro serviu de enredo para o best-seller de mesmo nome, assinado pelo escritor Paulo Lins, que posteriormente virou um sucesso estrondoso nos cinemas, chegando a ser indicado ao Oscar em quatro categorias. A Cidade de Deus também ofertou ao país a dupla de Mc’s Cidinho e Doca, cujo hit mais famoso – o “Rap da Felicidade” – foi cantado pelos colegas de Thiago durante o velório: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, e poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem o seu lugar…”.

Tudo isso foi negado a Thiago, que não pôde concluir o ensino fundamental, não pôde realizar o sonho de ser jogador de futebol, não pôde chegar à vida adulta. A foto que viralizou na terça-feira 8, de autoria da fotógrafa Selma Souza, em que crianças expressam a dor e o desespero de ver um amigo sendo enterrado, evidencia um pedido de socorro.

Foto: Selma Souza

Evidencia, ainda, a consciência de que suas vidas estão em constante ameaça. Para eles, ser feliz soa como um sonho, uma quimera. Dessa forma, pergunto: Que país é esse que impõe tanto sofrimento às crianças? Que país é esse que permite tamanha barbárie? Que país é esse que faz questão de ressaltar, a todo momento, que certas vidas têm menos valor do que outras?

Por parte dos responsáveis pela segurança pública e do governo do Estado do Rio, diante de tantas mortes, cujos números ultrapassam os de países em guerra, a resposta tem sido uma só: “eram todos bandidos”, enfatizando que não basta tirar a vida, roubar o futuro, é preciso sequestrar a honra e a dignidade, inclusive das crianças.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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