Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

O Alckmin que interessa

O eleitor não progressista tende a rejeitar um ex-governador paulista “comunista”, absorvido pelo PT, abduzido pela esquerda

Geraldo Alckmin é indicado pelo PSB a vice de Lula (PT). Foto: Ricardo Stuckert
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Vamos falar do companheiro ­Alckmin, o mais novo comunista do pedaço. Como vocês sabem, eu gosto sempre de falar aqui sobre pesquisa, então vamos aos dados da pesquisa. A realidade é que Jair Bolsonaro tem se aproximado de Lula nos levantamentos. O triunfalismo impetuoso de uma possível vitória lulista em primeiro turno não tem mais espaço. A catástrofe da terceira via deixa de herança o panorama eleitoral que era previsto, Lula e Bolsonaro são as duas únicas forças políticas que importam neste momento, mas tudo parece indicar que a eleição será apertada, bastante, muito.

Desculpem-me aqueles que pensam que devemos radicalizar, porque eu discordo, acho que ganharemos a eleição pelo centro e que o eleitor indeciso, que não se reconhece exatamente nem no lulismo nem no bolsonarismo, o desencantado, o perdido à deriva, vai decidir a eleição. E o que dizem os dados sobre esse eleitor? Ele gostou da união com ­Alckmin pelas seguintes questões: 1. O ex-tucano representa uma lógica econômica empresarial, meritocrática, mais ortodoxa, que acalma os mercados e a população que se identifica com a subjetividade­ do empreendedor. 2. Alckmin, como ouvimos várias vezes nas nossas entrevistas, “desradicaliza o PT”, ou seja, um PT que se aproxima de uma figura como ele está sinalizando que não é mais um PT-petralha, comunista, vermelho-roxo, está mais para rosinha. 3. Uma questão que sempre aparece nas minhas pesquisas com esse eleitorado é a necessidade de unificar um país fraturado, de fazer uma política de união, e não de briga, de convergência e não de divergência. Neste sentido, a chapa com o ex-governador de São Paulo é bem avaliada porque Lula e Alckmin são enxergados como inimigos históricos que tiveram a magnanimidade de se juntar, deixando de lado suas diferenças, por um bem maior, que é tirar o Brasil da profunda crise econômica, política e social em que se afundou.

O que aparece com frequência nas nossas pesquisas é a interpretação de que inimigos a fazer política juntos é um ato de generosidade que pretende deixar a politicagem de lado. Alckmin é um político que representa os valores tradicionais, a proximidade com a religião e, como tal, pode atuar como um bloqueador para as diversas mamadeiras de piroca que chegam e continuarão a chegar nesta eleição.

Este é o Alckmin necessário. O ­Alckmin PSDB, o Alckmin Opus Dei, o Alckmin de direita. O Alckmin-raiz. Este é um grande ativo político para o PT se aproximar do centro e tentar ganhar de novo sua confiança, seduzi-lo. O Alckmin companheiro, o Alckmin que escuta a Internacional de pé é inútil ao campo progressista, eu diria, inclusive seria um tiro no pé. O eleitor de centro que decidirá a eleição não quer um Alckmin comunista, absorvido pelo PT, abduzido pela esquerda. Um Alckmin “apetralhado” perde seu sentido, seu valor, seu potencial.

Não foi fácil para o petista convicto aturar a chapa com Alckmin, não foi fácil para aqueles que se situam no espectro ideológico da esquerda, porque ele representa, em muitos sentidos, o oposto do que acreditamos. Foi um horror para o movimento negro, por exemplo, ter de aceitar a ideia dele como vice. Muita gente se sentiu traída, decepcionada. Mas agora ele está no mesmo barco, agora a aliança foi firmada, está feito, então usufruamos dele, utilizemos o que ele tem a oferecer.

Só sei que quem faz pesquisa hoje está muito preocupado. A gente sente o cenário eleitoral a se ajustar, as margens a se reduzir. Eu, confesso, tenho muito medo. Medo de que o PT, ao tentar energizar sua base, coisa que, obviamente, tem de ser feita, não consiga persuadir o centro. Medo me dá que o PT não consiga calibrar entre a esquerda e o centro, entre o eleitor petista convicto e o eleitor de centro a ser convencido. Não é, de fato, uma calibragem fácil. É preciso regular os discursos, acertar o marketing e os símbolos com precisão. Mas é essa calibragem o elemento que pode nos salvar do desastre e é a falta dela o que pode nos levar ao precipício.

Insisto uma vez mais: o eleitor de centro pode nos levar à vitória ou pode nos afogar no pesadelo por mais quatro anos. O Alckmin “petralha” é um tiro do pé e a gente não pode se dar ao luxo de mais tiros no pé. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O Alckmin que interessa”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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