Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

No feriado do 7 de Setembro, fugi dos sites de notícias e das redes sociais

Nesse contexto de tanta brutalidade e destruição, manter a sanidade também é uma forma de resistência

Foto: PAULO LOPES / AFP
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Desde 1º de janeiro de 2019, não passo um único dia sem levar a mão ao peito e respirar fundo. As angústias, os incômodos são muitos. A verdade é que vivemos sob um regime pautado pela ameaça, pelo desrespeito, pela tortura, pela institucionalização da violência, pela destruição de direitos, dos bens públicos e do nosso ecossistema. Todos os dias somos atropelados por uma boiada que nos tira a paz, que nos faz temer pelo futuro.

Na semana passada, o ar que anda irrespirável ficou ainda mais pesado. Nas manchetes dos principais jornais do país, a iminência de um golpe era consenso entre figuras públicas que presam pela democracia e veem a Constituição de 1988 cada vez mais atacada, desrespeitada. Eu, que faço da leitura do noticiário um verdadeiro desjejum, me vali do feriado prolongado para dar um basta na intoxicação que o acúmulo de notícias ruins estava me causando. Tomei a decisão de manter distância de tudo e voltar com as leituras diárias somente na quarta-feira, 8 de setembro.

Minha primeira reação foi questionar se conseguiria tal feito. Estamos tão contaminados pela ideia de que precisamos estar atentos ao que se passa, que o afastamento por dias, ou horas, do celular e dos grupos de WhatsApp parece algo impossível. E se houvesse golpe?! Como eu ficaria sabendo? – perguntei a mim mesma. Rapidamente, lembrei de uma assertiva da minha mãe: notícia ruim chega depressa.

Serenei o meu coração. Mergulhei em preces, meditações e também na celebração do privilégio que é estar viva em meio a esse cenário de morte. Na manhã de sábado, abri o celular para ver se havia alguma ligação dos meus pais e, em seguida, joguei-o para escanteio. Fazia um dia bonito, o que me deu ânimo para cuidar da casa. No livro “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”, tema da minha coluna na semana passada, a pensadora afro-americana bell hooks ensina que “criar felicidade doméstica é especialmente útil para pessoas que moram sozinhas e estão aprendendo a amar a si mesmas. Quando nos esforçamos intencionalmente para tornar a nossa casa um lugar onde estamos prontos para dar e receber amor, cada objeto que colocamos ali aumenta o nosso bem-estar”.

À tarde, fui ao encontro da minha querida amiga Aline, de quem, em razão da pandemia, estive fisicamente afastada ao longo dos últimos meses. Além do reencontro, fui conhecer o apartamento que ela comprou há pouco tempo – e comemorar essa conquista. Lá também estava a Cris, amiga que mora, vive no meu coração. Com vinho, espumante, algumas cervejas e comidinhas gostosas, brindamos a vida e toda esperança que a vacina nos traz. Demos risadas, fizemos planos. Passados sete dias da nossa “festa”, ainda permaneço feliz pelo nosso reencontro. Sorte a minha tê-las em meu caminho.

No domingo, acordei e fiz o meu café. O dia estava luminoso, ensolarado. Aproveitei para fazer uma caminhada na pracinha que fica perto de casa. Troquei algumas palavras com um senhor que está lá todos os dias. “Que dia você vai aparecer na televisão de novo?” – ele perguntou. Achei graça. Voltei para casa. Preparei o almoço. Às 16h, como há muito tempo não fazia, deitei no sofá para assistir ao jogo da seleção brasileira contra os argentinos. Tudo para fugir do 7 de Setembro. Além disso, queria ver o Hulk, o Everson e o Arana, que vestem a camisa do Galo, meu time do coração, jogarem. Como é de conhecimento de todos, a partida válida pelas eliminatórias da Copa não aconteceu…

Na segunda, segui firme com a minha promessa. A sensação de que posso muito bem ficar longe do celular foi maravilhosa. Era o terceiro dia do meu período “sabático”. Para treinar o inglês, assisti a uma série. Dei continuidade à leitura de “Olho mais azul”, obra-prima da Toni Morrison que todo mundo deveria ler. Coloquei “Amanhã”, canção lindamente interpretada pelo Caetano Veloso, para tocar interruptamente. Na véspera do 7 de Setembro, eu precisava me apegar aos versos escritos por Guilherme Arantes: “Amanhã / Está toda esperança / Existe e é pra vicejar / Amanhã / Apesar de hoje / Será a estrada que surge / Pra se trilhar / Amanhã / Mesmo que uns não queiram / Será de outros que esperam / Ver o dia raiar / Amanhã / Ódios aplacados / Temores abrandados / Será pleno…”.

O dia da Independência chegou. Não vi, não compartilhei vídeos que servem apenas para dar palco a quem não merece. Pelo quarto dia consecutivo, não acessei as redes sociais. Ufa! Que beleza! Segui concentrada nas minhas preces, nas coisas que me dão prazer e me trazem esperança. Não recebi nenhuma mensagem, telefonema de que um golpe havia sido deflagrado.

Na quarta, dia 8, voltei ao mundo virtual. Nos jornais, o de sempre: notas de repúdio, falas brandas, condescendentes, de quem deveria dar um basta nesse processo de deterioração da democracia. Muito espaço para o “mercado”, que, em nome da política necroliberal, dorme em paz diante do aumento da miséria, da carestia, das famílias arrasadas pela Covid, da devastação das reservas naturais e dos números inaceitáveis de desemprego. Nada de novo no front. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Para muitos, pode parecer covardia a decisão de manter-me afastada por alguns dias do cenário tenebroso que nos cerca. Com todas as letras, afirmo que não. Muito pelo contrário. Nesse contexto de tanta brutalidade e destruição, manter a sanidade também é uma forma de resistência.

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