Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

No Brasil de Bolsonaro, desumanização e violência caminham de mãos dadas

A barbárie está nos espreitando no final do beco com arma na mão e sorrindo. E não haverá piedade alguma

Embate. Moradores de Paraisópolis sepultam uma das jovens vítimas. O governo Doria defende a ação da polícia
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Toda barbárie começa necessariamente com a desumanização do outro, de algum grupo específico que passa a simbolizar o mal ou a impureza.

A propaganda nazista comparava os judeus a uma infestação de ratos e, quando o quadrinista Art Spiegelman escreveu sua obra Maus (“rato” em alemão), retratando a história de seu pai como sobrevivente do Holocausto, ele tomou a controversa decisão de representar os judeus na história como ratos, explicitando justamente esta desumanização que se deu durante a “Solução Final para a Questão Judaica”.

Ratos, porcos, vermes, cães, imundos, repugnantes, baratas, todas estas atribuições são utilizadas na desumanização.

Mas isto não se dá apenas contra minorias étnicas, religiosas ou políticas, às vezes, desumaniza-se toda uma classe social como costuma ocorrer no Brasil com os mais pobres. Este tem sido o legado, escravagista em grande parte, que legitima a percepção de pobres como subumanos, como indivíduos com menor dignidade e que merecem um tratamento diferenciado, isto é, menos digno.

O tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento, o novo comandante da Rota em SP, disse recentemente em uma entrevista concedida ao UOL que “se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia] da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado (…) Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando (…) O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento”, ou seja, o policial deve tratar o pobre como um bandido potencial, enquanto resguarda o direito constitucional de presunção de inocência apenas para os ricos. Para o pobre é porrada, grosseria e insulto; para os ricos, gentileza e suquinho numa bandeja.

E o exemplo mais claro e triste disto foi a abordagem policial criminosa em Paraisópolis. A desumanização do pobre em sua expressão mais evidente.

Em essência, pouco tem a ver com o baile funk, mas sim com quem o frequenta. O assassinato de nove adolescentes por causa da atuação da polícia, além de ações posteriormente reveladas em vídeo nas redes sociais — como de um policial com uma vara esperando os jovens na saída de um beco, agredindo-os e rindo —, expressa uma aversão ao pobre tornada violência e justificada pela desumanização.

PM dispara em pessoas na favela de Paraisópolis (Foto: Reprodução)

Não podemos imaginar que, em uma sociedade minimamente pautada por valores civilizatórios, as pessoas encarariam tais cenas de abuso e brutalidade policial como aceitáveis, pois não são.

Não é aceitável, muito menos compreensível, que você veja o seu filho saindo à noite com os amigos e descubra, horas mais tarde, que ele foi morto pela polícia porque estava se divertindo.

Além da desumanização, outra engrenagem essencial da barbárie, e que é consequência imediata da primeira, é a banalização da violência. Quando já não há mais o horror diante do horror, quando as pessoas já não se comovem diante do sofrimento alheio, neste caso em particular o sofrimento de adolescentes de 13 a 19 anos, como se eles fossem merecedores da agressão e da morte pelo simples fato de serem pobres e gostarem de funk, os limites da brutalidade desaparecem.

Você não precisa gostar de funk para compreender que ninguém merece morrer porque estava num baile funk, e basta um pouquinho de bom senso para saber também que agentes do Estado não deveriam ser agentes de terrorismo perpetrado pelo Estado.

Situações como a de Paraisópolis, que são bem mais corriqueiras do que poderíamos supor, afinal de contas, esquadrões da morte e milicianos estão atuando em muitos pontos do país, cometendo chacinas — só no estado do Rio de Janeiro nestes últimos 10 anos foram contabilizadas mais de 400 chacinas — e aterrorizando moradores de comunidades, leva-me a constatar que o pacto civilizatório no Brasil está agonizando graças um perene ímpeto de violência e brutalidade que corre nas veias históricas do país.

A barbárie está nos espreitando no final do beco com arma na mão e sorrindo. E não haverá piedade alguma, muito menos se, diante olhar frio do assassino fardado, você for um verme imundo que merece morrer.

A barbárie está logo ali, na esquina.

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