Waldeck Carneiro

Professor da Universidade Federal Fluminense e deputado estadual no Rio de Janeiro entre 2015 e 2022.

Opinião

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Nau sem rumo: para onde navegam as barcas no Rio de Janeiro?

Experiência de privatização do transporte aquaviário é um retumbante fracasso

Foto: Reprodução/Facebook/Agência Reguladora de Transportes do Estado do Rio de Janeiro
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A mobilidade urbana é um dos principais desafios da vida cotidiana na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde vivem 70% da população fluminense. Por isso, a política pública de transporte é uma das mais importantes para assegurar cidadania e qualidade de vida à população. O direito à cidade e a liberdade de ir e vir dependem diretamente da efetividade daquela política pública, pois ela pode favorecer a mobilidade ou torná-la um obstáculo quase intransponível para os cidadãos.

No Rio de Janeiro, infelizmente, a mobilidade urbana tem prevalecido como obstáculo, saga ou martírio para o povo fluminense. Esse é, de modo geral, o resultado de uma agenda de privatização, que já dura 25 anos, inspirada numa concepção neoliberal rasa pela qual o serviço público é necessariamente ruim e ineficiente e, logo, deve ser operado pela iniciativa privada.

Com base nessa lógica, em 1998, o transporte aquaviário foi privatizado, passando a ser prestado por uma concessionária privada. Um quarto de século depois, o quadro é verdadeiramente crítico: as barcas quase foram paralisadas, a população de Paquetá (bairro insular do município do Rio) ficou literalmente ilhada, refém da incompetência do serviço privatizado; usuários de Niterói, São Gonçalo, Rio (especialmente da Ilha do Governador) e da Costa Verde sofrem os dramas cotidianos de um péssimo serviço.

Curiosamente, após a privatização, o governo estadual continuou fazendo investimentos na operação, inclusive adquirindo embarcações: privatização dos lucros e estatização dos investimentos! Ações na Justiça se superpõem: a concessionária CCR Barcas acionou a Justiça para devolver a concessão na marra; o Ministério Público entrou na Justiça para declarar a ilegalidade da concessão; a Defensoria Pública também entrou com ação na Justiça para obrigar a concessionária a cumprir o quadro de horários original previsto em contrato.

No meio desse imbróglio, a Justiça homologou recentemente acordo entre o governo do estado e a CCR Barcas para prorrogar a concessão, que expirou em 11 de fevereiro do corrente, após 25 anos de vigência. Isso depois de a concessionária fazer ameaças públicas de que o serviço poderia ser interrompido a qualquer momento. Ora, reconhecemos que a pandemia provocou redução no número de usuários do transporte coletivo, nos diferentes modais. Também sabemos que obras feitas para os Jogos Olímpicos Rio 2016 dificultaram a integração entre barcas e ônibus na Praça XV. Ainda assim, não é aceitável que o estado do RJ se disponha a desembolsar R$ 750 milhões, a título de indenização à CCR Barcas por perdas econômicas durante o contrato de concessão, sem documentação comprobatória detalhada que justifique esse valor. Parece um prêmio à desqualificação do serviço prestado à população!

Mais grave do que isso: temos o mesmo governador desde agosto de 2020, quando Cláudio Castro assumiu o governo do RJ interinamente, após afastamento do titular por decisão do STJ. Sempre se soube que a concessão expiraria em fevereiro de 2023. Mas no prazo de término do contrato o governo não tinha sequer colocado o edital da nova licitação na praça! Tampouco foi capaz de apresentar um plano de contingência até que novo certame seja realizado. Afinal, é razoável que ainda se esteja na fase de modelagem do edital? Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, desde 2015, a Frente Parlamentar do Transporte Aquaviário vinha alertando sobre os problemas desse modal e a necessidade de se antecipar soluções. Em vão.

Por fim, uma pergunta que merece reflexão: após o retumbante fracasso da experiência de privatização, não seria o caso de estudar, de modo criterioso, a reestatização do transporte aquaviário no Rio de Janeiro, como ocorre em vários países do mundo? A cidadania fluminense merece dignidade no transporte público! Isso não é coisa menor!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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