Opinião

Nada como ver as coisas com os próprios olhos e vivê-las

Vou abandonar o terrorismo bolsonarista à própria cloaca – onde deverá afundar em condenação e prisão – e falar do bem

Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio. Foto: Reprodução
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“Não lute para curar suas feridas. Apenas despeje tempo no seu coração e espere. Quando suas feridas estiverem prontas, elas vão se curar sozinhas.” – Haemin Sunim.

A vida também é feita de decepções.

Eu havia prelibado o prazer de escrever sobre um passeio mágico.

Entretanto, a realidade da horrível intervenção do mal em Brasília se impôs.

O terrorismo que assolou a capital federal foi grave demais.

Terem apunhalado uma tela de Emiliano di Cavalcanti, o pintor da felicidade, da vida e do amor é muito simbólico.

Isso também vale para o vandalismo contra a Minerva, deusa da Justiça, de Victor Brecheret.

Em terceiro lugar e não menos patente da destruição que o mal encarna, a violação de três palácios de Oscar Niemeyer, todos inspirados na transparência da coisa pública, confere aos atos dos terroristas a verdadeira dimensão: de ódio ao que é público; ao que é de todos; de “gente” que só respira egoísmo, privilégio e violência.

Mas, nesse ponto, vou abandonar o mal à própria cloaca – onde deverá afundar em condenação e prisão – e voltar ao bem.

Caminhava eu por Itu, no interior de São Paulo, no fim de tarde do último sábado, dia 7, quando me deparei com um dos edifícios mais bonitos que jamais vira.

Trata-se do prédio modernista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora do Patrocínio, inaugurado em 25 de fevereiro de 1962.

O arquiteto é João Walter Toscano, que eu desconhecia.

Na luz do final da tarde, o prédio mais parecia uma visão do que uma realidade.

Inicialmente, pensei ser de Niemeyer, tal a semelhança com outros projetos dele, inclusive o Palácio Capanema, no Rio de Janeiro.

A colocação dos “brise-soleil” na ala térrea de um dos corpos do edifício é simplesmente perfeita, assim como a articulação dos dois corpos, que mais respiram poesia do que concreto e ferro.

O fato de ter sido concebido em uma das raras janelas democráticas da história política nacional, o governo João Goulart, tampouco é indiferente ao projeto, evidentemente.

No dia seguinte, fui à Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, onde está enterrada a venerável Madre Teodora Voiron, tanto para visitar o túmulo dela quanto para saber um pouco mais do prédio modernista adjacente.

Vale mencionar que a igreja foi projetada por um negro sem nenhum conhecimento formal de arquitetura, Jesuíno do Monte Carmelo.

Além de arquiteto excepcional, Jesuíno era também pintor brilhante e, por último mas não menos importante, compositor sacro.

Todas essas informações eu obtive da forma mais agradável possível – deambulando pela nave da igreja, no quarto-museu de Madre Teodora e nos jardins do convento das Irmãs de São José de Chambérry, um belíssimo edifício do século XIX.

Minhas guias não poderiam ser melhores: as irmãs Maria de Lourdes e Luíza – tê-las conhecido já valeu a visita.

A irmã Maria de Lourdes conhecera o próprio arquiteto Toscano e se recordou que, à época, fora muito apreciado e premiado no Reino Unido.

Vale notar que essa maravilhosa visita ocorreu com o pano de fundo de um grupelho de terroristas que brandiam suas camisetas da CBF, sob uma gigantesca bandeira do império brasileiro, em frente do quartel local. Os insanos propõem a volta ao império! E ainda há quem, por aqui, se surpreenda com o obscurantismo dos Talibãs no Afeganistão!

Como a demonstrar o desconhecimento que temos de nós mesmos, o lindo edifício modernista não conta com nenhuma sinalização turística, embora a cidade esteja repleta delas (gracas aos governos Lula e Dilma), sendo Estância Turística.

O prédio tampouco aparece no mapa turístico da cidade e à noite não conta com qualquer iluminação especial, embora seja, talvez, o edifício mais bonito do interior do estado de São Paulo!

Não há luz sem sombra.

Fui visitar outra obra de Toscano, por recomendação das irmãs, que me haviam advertido que o terreno em que ele tivera de edificar era uma barroca.

Sim, a construção era fechada e no interior da igreja havia uma missa.

Entrei e me sentei discretamente no último banco.

O padre estava na homilia e arengava que Lula e Herodes eram comparáveis!

Levantei imediatamente: a igreja me seguiu com os olhos, pois a saída ficava ao lado do altar.

Ainda o ouvi bradando que quem desvia do caminho (o dele, evidentemente) iria se encontrar com Satanás.

Não foi o meu caso, mas talvez seja o dele, pois o estou denunciando ao Bispo e à CNBB, pois, como católico, me senti profundamente ultrajado.

Para espairecer, fui ao Parque Paleontológico do Varvito, cuja visita recomendo vivamente.

Além de ser uma experiência geológica única, com explicações simples e agradáveis sobre o que são os varvitos que lá vemos (sedimentos em camadas de centenas de milhões de anos atrás, remontando às eras glaciais, quando formávamos um único continente com a África Meridional, a Antártica e a Índia).

O parque é municipal: a entrada é franca; os guardas municipais da portaria, gentilíssimos; os banheiros, impecáveis, superiores até àqueles dos aeroportos privatizados que pagamos a preço de ouro, literalmente.

Nada como ver as coisas com os próprios olhos e vivê-las, em plenitude.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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