Erica Malunguinho

Pernambucana, artista e educadora. Mestra em Estética e História da Arte, tornou-se a primeira deputada estadual trans eleita no Brasil, em 2018.

Opinião

Muito mais que sete erros para o 7 de Setembro

Há uma espécie de limbo histórico que coloca os militares como protagonistas de um suposto processo de ‘libertação brasileira’. O presidente e sua turma se valem disso

Efeito. A ação contra os empresários vai conter a fanfarra do 7 de Setembro? - Imagem: Ettore Chiereguini/Agif/AFP
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Não é mais ignorado o fato de que a ‘história oficial’ – escrita em favor do projeto de dominação de uma elite política e econômica e que afirma a mestiçagem sob o ideário branco – apagou a diversidade de personagens e acontecimentos históricos que levaram o país à mistificada independência de Portugal, deixando de foram todos os levantes, rebeliões, quilombos e o exército de vozes dissonantes, pretos, indígenas, mulheres. A necessidade de habilitar a real história do Brasil e de nos apropriarmos dessas memórias, no entanto, esbarra, com espanto, nas comemorações deste 7 de Setembro no triste Brasil de 2022.

Neste viés, vale uma lembrança à Independência do Brasil na Bahia, que marca a expulsão definitiva das tropas portuguesas do país, em 1823. O episódio contou com a participação marcante de mulheres, incluindo Maria Felipa, mulher negra, no comando de ações essenciais para o momento histórico. A imagem da Cabocla Paraguaçu virou símbolo da participação feminina nas lutas pela independência, mas o poder de sua figura segue marginalizado pela versão embranquecida dos registros.   

O nacionalismo verde-amarelo foi enraizado sobre uma falácia que ainda inflama tradicionalistas, muitos destes certos de que possuem o gene do heroísmo. O mais absurdo é notar o quão escasso de ação heróica o fato histórico se constrói, e, na contramão de tantas dissertações e amostras pautadas nos mais sérios estudos, ainda sobrevive o culto a uma passagem gloriosa muito similar às narrativas dos descendentes de estrangeiros europeus que vieram ao Brasil durante as guerras mundiais.

O fato, entretanto, é que a tal ‘independência’ nunca veio. A democracia real, então, muito menos. Afora a ignorância total quanto aos fundamentos de raça e gênero, convivemos com uma herança maldita imputada pela cultura militar, que ainda mantém a fama mesmo após os ‘anos de chumbo’ da ditadura. Há uma espécie de limbo histórico que coloca os militares como protagonistas de um suposto processo de ‘libertação brasileira’. O presidente e sua turma se valem disso para projetar, no imaginário dos que creem em tal caricatura, um plágio yankee da frase ‘make America great again’ (o cenário já esteve bom para alguém das classes populares?).

Eis que, em 2022, viveremos um 7 de Setembro assistindo a fixação de outdoors pró-reeleição ostentando dizeres como “agora ou nunca” e “segunda independência”. Essa tal independência seria um passaporte para a legalização do racismo, da misoginia, da LGBTfobia, entre outros, perante as pequenas vitórias destas populações nos últimos anos? Aqui temos uma questão central. Quem oprime essas pessoas em busca de uma ‘segunda independência’? 

Não há como falar no processo de formação do país sem falar da hegemonia racial que o constituiu, que levou ao proletariado a população antes escravizada, e que atualiza sistematicamente o colonialismo. Essa é a nossa história, e é partir dela que podemos transformar e escrever o futuro.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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