Justiça

Ministros do Supremo protagonizaram uma tardia lavagem de biografias

‘O desfecho é triste, porque deveria ter sido selado há muitos anos. Mas ainda assim, a Justiça falou mais alto que a hipocrisia’

Ministra Cármen Lúcia. Foto: Nelson Jr./STF
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A mera tentativa de limpeza da biografia não basta. Quem se juntou à marcha golpista que entregou o País ao caos absoluto tem que produzir bem mais que um texto repleto de adjetivos e arrependimento nas redes sociais.

Na última batalha pela suspeição de Moro, o ministro Gilmar Mendes protagonizou um desses episódios de revisão de biografia. Embora já há anos venha se mostrando honrado — qualidade, aliás, ausente em muitos de seus pares nos tribunais superiores de Brasília, que em sua gigantesca maioria estenderam o tapete vermelho para o juiz de Curitiba e sua turma nestes arrastados anos.

Eu mesmo, não poupei artilharia contra o ministro Gilmar, muitas vezes com mais poder de fogo que sobre outros ministros. Peço desculpas a ele. Para além das contradições que acompanham a grande maioria dos integrantes daquela Corte, destacava-se sobretudo a liminar impedindo a nomeação de Lula como ministro. Uma verdadeira vergonha, que nunca foi levada a julgamento.

As pessoas não se lembram, mas aquela liminar surgiu na sua origem de um juiz em Brasília fotografado em manifestação pró-golpe, que tomou sua decisão menos de um minuto depois de distribuído o processo… Ali, ministro, não houve Direito, houve uma farsa referendada. E o resto é história.

Mas, independentemente do que penso, é impossível negar: trata-se de um ministro inteligente, corajoso e de notório saber jurídico, que se indigna com absurdos ditos na sua presença. Hoje, após um voto deprimente de Kássio Nunes Marques, que carimbou a folha do patrão do outro lado da Praça dos Três Poderes, Gilmar Mendes fulminou as cínicas alegações sobre conhecimento de habeas corpus em caso de suspeição, como também sobre os casos provados de parcialidade da turma de Curitiba que independiam do vazamento de vergonhosas mensagens: grampos em escritórios de advocacia, condução coercitiva sem intimação e outras aventuras não são condutas de um juiz equidistante das partes.

Se Gilmar Mendes age por autodefesa frente ao ódio da República da Rússia de Curitiba ou por ter percebido os horrores causados pela Operação, nunca saberemos ao certo. O fato é que o ministro lavou a alma de muitas pessoas engasgadas com a desgraça causada pela Lava Jato, uma desgraça que se retroalimenta a cada vez que o presidente é recebido como mito.

Também tem honrado sua biografia o ministro Ricardo Lewandowski, inclusive em momentos de extrema pressão e dificuldade. Tal qual homenageado pela Turma, ele merece todas as honrarias. Mas isso fica para outro texto.

Fachin ficou falando sozinho. Não há muito o que dizer sobre ele, a não ser lembrar que se alinhou na grande maioria das vezes a entendimentos incompatíveis com sua campanha até se tornar ministro. Um juiz sem raízes é um juiz condenado a ser esquecido.

Coube à ministra Cármen Lúcia pregar o caixão da perseguição de Curitiba a Lula. Justo ela, cuja passagem pela presidência do Supremo foi tão infeliz — individualizou questões como a prisão em segunda instância ao caso Lula, evidentemente inconstitucional, como tempos depois a corte reconheceria. Também fez sua parte na tardia lavagem de biografia. O desfecho é triste, porque deveria ter sido selado há muitos anos. Mas ainda assim, a Justiça falou mais alto que a hipocrisia. Moro suspeito, Lula livre para a política.

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