Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Milton Nascimento anuncia ‘A última sessão de música’: já estamos com saudade

Programada para 2022, para muitos, a turnê marcará o encerramento de uma carreira sexagenária

Foto: Reprodução Redes Sociais
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Na semana passada, usei este espaço para lembrar do meu encontro com a escritora moçambicana Paulina Chiziane, a nova ganhadora do Prêmio Camões, o mais importante e prestigiado concedido a escritores lusófonos. Conforme escrevi, em 2015, ela esteve em Belo Horizonte, cidade em que vivo. Não perdi a oportunidade de vê-la e ser contagiada por suas histórias, por suas gargalhadas, pela voz doce que torna difícil imaginar que Paulina conheceu de perto os horrores da guerra.

 

Hoje, mais uma vez, lanço mão da memória. Desta vez para falar do dia em que tive o privilégio de ver, ouvir, me encartar, sentir Milton Nascimento, dono de uma das vozes mais lindas do mundo. No início da semana, o cantor nascido no Rio de Janeiro anunciou a turnê “A última sessão de música” em suas redes sociais. Programada para 2022, para muitos, ela marcará o encerramento de uma carreira sexagenária.

Era 2014. Eu ainda vivia o luto da partida da Miriam, minha irmã, que no ano anterior falecera em decorrência de um câncer. Tomando de empréstimo os versos de “Encontros e despedidas”, Miriam partiu “para nunca mais”, ao passo que eu tentava sobreviver aos conflitos familiares, à dor de uma vida interrompida de maneira tão precoce, à saudade de uma torcedora fiel do glorioso Clube Atlético Mineiro.

Quando o show do Milton foi anunciado, tive a certeza de que precisava ir. Seria um bálsamo, um lenitivo em meio ao caos que havia se transformado a minha casa, a minha vida. Ainda que os preços não fossem convidativos para uma professora da Educação Básica, comprei o ingresso. No dia marcado, atravessei a cidade. Fui ao encontro de um dos maiores artistas deste país.

Ao chegar no Palácio das Artes, encontrei o auditório lotado, o que foi suficiente para me emocionar. Não entendia bem o que se passava dentro de mim. Não acreditava que teria a oportunidade de assistir a um show do mestre Bituca e, ao mesmo tempo, lembrava da Miriam, que também era fã do cantor que eternizou Minas Gerais em suas músicas.

Em meio à emoção, não pude deixar de constatar o quanto o Brasil é um país racista. A presença de negros no Palácio das Artes era praticamente imperceptível, o que não é fruto do acaso. As condições precárias de vida expulsam a comunidade negra desses espaços, que foram pensados para receber as classes mais abastadas. A localização dos teatros, os altos preços dos ingressos impedem que negros e negras tenham acesso à arte produzida não só por Milton, mas também por artistas como Caetano, Chico, Bethânia, Gal e tantos outros.

Naquela noite, Milton Nascimento subiu ao palco acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e pelo Coral Lírico Infanto-Juvenil do Palácio das Artes. Ele parecia não estar muito bem de saúde. Durante as caminhadas que fez pelo palco, seus passos pareciam mais lentos do que o normal. Mas a voz… Sua voz estava impecável como sempre. E foi com essa voz que ele nos brindou com uma infinidade de sucessos, inclusive “Quem sabe isso quer dizer amor”, que fez a plateia cantar e dançar incansavelmente.

Embora eu tenha ficado em uma poltrona bem próxima do palco, desse encontro, guardo uma única foto, que ficou horrível, desfocada, pois eu não conseguia parar de tremer diante da presença da divindade chamada Milton Nascimento. Mas não faz mal. O que eu vi ficará eternizado para sempre nas minhas retinas.

Com o anúncio de que em 2022 Milton pode subir aos palcos pela última vez, só tenho uma coisa a dizer: já estamos com saudade.

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