Há 23 anos, ao refletir sobre combate ao racismo na educação, Nilma Lino Gomes, pedagoga e ex-ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, escreveu que não era um argumento plausível dizer que a omissão em relação às práticas discriminatórias ocorridas no contexto escolar se dava em razão da ausência de materiais e iniciativas que pudessem servir de farol nessa empreitada.
Atualmente, a afirmativa da professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais é ainda mais contundente. Com a promulgação da Lei n.º 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira em estabelecimentos de ensino públicos e privados de todo Brasil, houve um aumento substancial de pesquisas, recursos pedagógicos, livros e cursos que visam a contribuir na formação de docentes e gestores para efetivação de uma educação antirracista. É neste contexto que se insere o material recém-lançado pelo Instituto Alana, intitulado “Recriar a escola sob a perspectiva das relações étnico-raciais”.
Elaborado sob a consultoria das educadoras Clélia Rosa e Luciana Alves, a publicação visa a “fornecer subsídios para a formação de educadores”, partindo do entendimento de que é “urgente superar o modelo de escola construído historicamente no ideal de superioridade racial branca, herança colonial de séculos de violência contra povos negros e indígenas, oriunda do processo de escravidão”.
Ao longo de 97 páginas, há dados importantes para a compreensão dos abismos provocados pelo racismo, que tem expulsado estudantes negros das salas de aula de maneira precoce e recorrente. Em “Recriar a escola sob a perspectiva das relações étnico-raciais”, é possível encontrar números de um levantamento realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), que aponta para o fato de que os afro-brasileiros permanecem, em média, 8,6 anos na escola, enquanto os brancos ficam 10,4 anos. O material também apresenta os impactos da pandemia no processo de aprendizagem desse grupo social. No período em que as aulas presenciais foram substituídas pelo ensino remoto, apenas 39% dos jovens pretos com idade entre 15 e 17 anos dispunham de computador e internet em casa.
Tais números evidenciam que mesmo com os avanços trazidos pela legislação educacional vigente, construída, sobretudo, a partir das demandas e reivindicações do Movimento Negro, o direito de acessar, permanecer e obter êxito nos espaços de saber ainda tem sido negado a crianças, jovens e adultos negros. Na busca pelo objetivo de promover a conscientização e servir de inspiração para os educadores na luta contra o racismo, “Recriar” traz uma série de iniciativas comprometidas com a equidade racial, realizadas em instituições de norte a sul do País. Em depoimento, Angela Maria Vieira, docente da Escola Estadual de Educação Básica Dr. Jorge Lacerda, de Joinville, lembra: “Não basta só ter vontade. É preciso se instrumentalizar, estudar”. E conclui: “Hoje existe bastante material disponível. As secretarias de Educação devem oferecer cursos de formação, cursos de graduação, precisam atualizar seus currículos”.
A declaração incisiva da docente de Santa Catarina caminha na mesma direção do que foi suscitado por Nilma Lino Gomes num artigo publicado em 1999. Naquela ocasião, Nilma lembrou que trabalhar a questão racial nas escolas é um imperativo fundamental para a superação das desigualdades e para a construção de um país que mereça ser chamado de democrático. Ao final, ela questionou: “Estamos dispostos?”. Eis a questão.
Recursos que nos orientem, capacitem e inspirem a assumir o compromisso com a promoção de uma educação antirracista estão à nossa disposição. “Recriar a escola sob a perspectiva das relações étnico-raciais”, do Instituto Alana, é prova disso.