José Dirceu

Advogado, ex-deputado federal, ex-ministro-chefe da Casa Civil e ex-presidente nacional do PT

Opinião

PGR precisa dar andamento ao relatório do CNJ sobre a Lava Jato

Uma denúncia dessa gravidade não pode ficar estacionada dentro de uma gaveta

PGR precisa dar andamento ao relatório do CNJ sobre a Lava Jato
PGR precisa dar andamento ao relatório do CNJ sobre a Lava Jato
Dallagnol e Moro (Credito: Aílton de Freitas/Agência O Globo)
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O relatório da Corregedoria Nacional de Justiça sobre as irregularidades cometidas nos processos relacionados à operação Lava Jato é estarrecedor. Ele indica que os juízes Sergio Moro e Gabriela Hardt e o procurador Deltan Dallagnol, além de outros ligados ao mesmo esquema, tentaram desviar 2,5 bilhões de reais, inicialmente destinados ao Estado brasileiro, para uma fundação privada que estavam criando. E o crime de peculato só não foi consumado porque a transferência dos recursos foi impedida pelo STF.

Tudo o que está no relatório, já apresentado ao Conselho Nacional de Justiça e encaminhado à Procuradoria Geral da República, era de conhecimento público, a partir do vazamento das trocas de mensagens entre juízes e procuradores da Lava Jato no serviço de mensageria do Telegram e de denúncias feitas pelo juiz Eduardo Appio que, nos 103 dias em que comandou a 13a Vara de Curitiba, entre fevereiro e maio de 2023, tentou tirar os esqueletos da Lava Jato do armário. No entanto, é a primeira vez que o esquema montado pelo conluio entre juízes e procuradores da Lava Jato, em armação com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), é exposto sem meios tons por um órgão do topo da hierarquia do poder judiciário. O relatório também incrimina funcionários da Petrobras que foram coniventes com o esquema.

A Corregedoria Nacional de Justiça passou a investigar a Lava Jato a partir de uma representação recebida do juiz Eduardo Appio, em maio de 2023, onde ele apontava as irregularidades encontradas nos processos. Para desenvolver a investigação, a CNJ contou com o apoio da PF, que montou o quebra-cabeça de como o dinheiro de multas aplicadas às empresas acusadas de envolvimento em corrupção acabaria voltando para mãos daqueles que investigavam seus crimes e decidiam a punição.

O relatório da CNJ vem a público quase simultaneamente ao lançamento do livro Tudo por dinheiro: a ganância da Lava Jato segundo Eduardo Appio,  onde Appio conta como o sistema judicial foi manipulado na Lava Jato, que foram feitos acordo ilegais com o DoJ dos Estados Unidos, que o dinheiro da corrupção retornava a quem investigava. Ao falar sobre o livro à TV GGN, de Luís Nassif, Appio disse que desvios como os praticados na Lava Jato, onde não se respeita o devido processo legal nem mesmo o que é competência ou não da própria Vara, são atitudes fascistas que corrompem a democracia.

Para que o dinheiro da corrupção voltasse para as mãos dos investigadores, a Lava Jato, firmou um acordo não formal com o DoJ, de que o abasteceria de informações e abriria espaço, no mercado brasileiro, para escritórios a ele ligados nas principais empresas brasileiras; paralelamente, atuaria para enfraquecer a indústria da construção brasileira, com forte presença no exterior.

Em 2018, o DoJ multou a Petrobras em US$ 853,2 milhões, dentro de um acordo global de leniência para encerrar investigações sobre corrupção e irregularidades relacionadas ao escândalo da Lava Jato. Pelo acordo, a maior parte do dinheiro (R$ 2,567 bilhões) seria repassada para o Brasil, sob o controle da fundação privada a ser criada.

Além do valor da multa dos EUA, a Lava Jato destinou a Petrobras mais R$ 2,132 bilhões, oriundos de acordos de colaboração e leniência em uma ação do juiz da 13a Vara Federal de Curitiba. No lugar de serem depositados em contas da União, os valores foram parar em contas da Petrobras para, depois, seguir para a conta da tal fundação. E para garantir o controle sobre os recursos, a Lava Jato impôs à Petrobras o escritório de advocacia paranaense René Dotti, ligado a Moro.

Quando tudo estava pronto para criar a tal fundação que receberia os recursos da Petrobras, a procuradora geral Raquel Dodge, entrou no STF com uma ADPPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que foi acatada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Agora, é fundamental que as investigações avancem, pois o relatório imputa aos envolvidos corrupção, peculato, organização criminosa. Uma denúncia dessa gravidade não pode ficar estacionada dentro de uma gaveta.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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